Uma dificuldade comum para as startups de notícias digitais é que elas dependem de doações para financiar operações ou projectos especiais escolhidos pela organização doadora.

Assim, elas sofrem a incerteza de saber se podem pagar aos seus funcionários e continuar a fornecer notícias e informações fiáveis. Os subsídios geralmente duram alguns anos no máximo e devem ser renovados. Por isso, uma organização de media que faz uma onda de contratações com dinheiro de doadores pode ter que fazer um “downsizing” doloroso se um doador se afastar.

Outra dor causada pelas doações é a “mission creep”, em que uma startup jornalística realiza investigações especiais escolhidas pelos doadores que podem apertar os seus recursos e não se alinhar com a sua missão principal. Esses editores precisam de se mexerem cada vez mais rapidamente apenas para ver o seu objectivo principal desaparecer à distância.

O clube dos 300 milhões: Google, Facebook e…
Ultimamente, os dois maiores disruptores do jornalismo de qualidade, Google e Facebook, têm ajudado startups digitais com grandes doações. Os gigantes da tecnologia incentivaram o lançamento de startups para preencher lacunas na cobertura de notícias deixadas pela media tradicional que despediram funcionários ou encerraram. Mas quanto tempo durará o seu apoio? O que o pode substituir?

A Google comprometeu 300 milhões de dólares a três anos “para desenvolver um futuro mais forte para as notícias”. Ela forneceu vários tipos de suporte técnico, ferramentas e formação através da sua Google News Initiative.

O Facebook anunciou também que iria investir 300 milhões de dólares ao longo de três anos, principalmente para apoiar as notícias locais. (Foi uma coincidência o Facebook ter escolhido usar exactamente o mesmo valor que a Google?) A gigante da rede social anunciou um programa chamado Facebook News nos EUA, Reino Unido e Alemanha, no qual se comprometeu a pagar aos editores para colocar as suas notícias na sua plataforma.

Estes investimentos, já agora, representam pouco para os gigantes da tecnologia – os compromissos anuais representam menos de um décimo de 1% das suas receitas publicitárias em 2020 – 84 mil milhões de dólares para o Facebook e 147 mil milhões para a Google.

A questão de um milhão de dólares é se também foi uma coincidência que a James L. Knight Foundation, a maior financiadora do jornalismo de serviço público dos EUA, tenha escolhido mais tarde anunciar que investiria 300 milhões de dólares ao longo de cinco anos para desenvolver “o futuro das notícias e informações locais, que são essenciais para o funcionamento da democracia”. Porquê escolher o mesmo valor de 300 milhões? Essa organização sem fins lucrativos estava a sugerir que os gigantes da tecnologia deviam fazer mais?

Criar valor para os utilizadores
Como escapar da armadilha do financiamento por subsídios? O estudo da SembraMedia com 201 startups de notícias digitais na América Latina, África e Sudoeste Asiático sugere um caminho. O estudo descobriu que aqueles com vendas pagas ou pessoas para o desenvolvimento de negócios obtinham seis vezes mais receitas do que aqueles que não tinham (ver gráfico).

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Além desse ponto de dados notável, não existe uma fórmula única para criar um modelo de negócios viável para um jornalismo de serviço público confiável. Mas existem tácticas e estratégias que podem ser emuladas.

O “Local Media Survival Guide 2022” do International Press Institute inclui 21 estudos de caso que mostram acções específicas tomadas para resolver o problema de financiamento na Ásia, África, América Latina, Médio Oriente e Europa Oriental. A investigadora-chefe e autora Jacqui Park preparou esse relatório com base em discussões aprofundadas com três dezenas de jornalistas, editores, líderes de media e empresários de media legada e novas startups locais.

Anne Schulz analisou os desafios de financiamento da media em 38 países e apresentou algumas recomendações no seu relatório “Local news unbundled: where audience value still lies” para o Digital News Report 2021 do Reuters Institute. Entre as suas conclusões está que as dinâmicas em cada mercado local são tão distintas que as soluções serão diferentes para cada um. As diferenças começam com os tópicos de notícias locais que mais importam em cada mercado e incluem quais os canais de consumo considerados mais confiáveis, desde a imprensa, à televisão, às redes sociais, aos resultados de busca.

No mesmo relatório da Reuters, o Richard Fletcher e Rasmus Kleis Nielsen examinaram a questão “How do people think about the financing of the commercial news media?” Especificamente, foi perguntado a pelo menos 2.000 consumidores de media em cada um dos 33 países: “Quão preocupado está, se é que está, com o estado financeiro das organizações comerciais de notícias no seu país?” A resposta, em todos os mercados, foi que 53% disseram estar “nada preocupados” ou “não muito preocupados”.

Conclusão
Dado que a maioria das pessoas não está preocupada com a viabilidade financeira dos meios de comunicação, os comunicadores profissionais têm que admitir que não conseguiram provar porque os cidadãos comuns devem estar dispostos a pagar pelas notícias. Em 20 países, apenas 17% pagaram por qualquer notícia online no ano passado, segundo o relatório da Reuters.

A pandemia de Covid-19 aumentou a consciencialização das pessoas em todo o mundo sobre a importância das fontes fiáveis de notícias. Mas tem que se fazer um trabalho melhor para mostrar esse valor (ver “Journalists discover marketing (finally))“.

E ainda acredito que o jornalismo local oferece uma alternativa à indústria da distracção orientada por algoritmos da TV por cabo, media social e busca optimizada (ver “Local news startups: digital entrepreneurs and philanthropists are collaborating to replace lost coverage“).

O que isto significa é que as doações continuarão a ser parte da solução de financiamento para muitos meios de comunicação locais. Por causa disso, muitos vão falhar ou tropeçar. Mas outros conseguirão encontrar outro apoio suficiente em assinaturas, associados, eventos, consultoria e outras fontes para crescer e prosperar.

Artigo original publicado no Entrepreneurial Journalism (CC).