29 de Outubro é o Dia Internacional da Internet. É também dia para revelar algumas memórias guardadas num site sobre os primórdios da Internet em Portugal, escrito por um dos seus dinamizadores iniciais, Legatheaux Martins.

Introdução (1990 – 1996)
Portugal ligou-se à Internet no Outono de 1991 como resultado do projecto “Serviço IP da RCCN”, conduzido pela FCCN, então designada Fundação para o Desenvolvimento dos Meios Nacionais de Cálculo Científico. Este projecto teve origem na proposta formulada por um grupo de investigadores designado “Forum-IP” a qual foi acarinhada e enquadrado pelo Conselho Executivo da FCCN, então constituído por Heitor Pina [Instituto Superior Técnico/Universidade Técnica de Lisboa ou IST/UTL], Carlos Morais [Laboratório Nacional de Engenharia Civil ou LNEC] e Vasco Freitas (Universidade do Minho), este último o membro da Comissão Executiva da FCCN directamente responsável pelo projecto.

José Legatheaux Martins

O grupo de trabalho que executou o projecto no terreno foi coordenado por José Legatheaux Martins (Universidade de Lisboa) e era constituído por: Alexandre Santos (Universidade do Minho), António Inês Silva (LNEC), Edmundo Monteiro (Universidade de Coimbra), Fernando Boavida (Universidade de Coimbra), Fernando Cozinheiro (Universidade de Aveiro), Henrique João Domingos (Universidade de Lisboa), Joaquim Macedo (Universidade do Minho), Jorge Frazão (Universidade de Lisboa), João Neves (INESC Porto), Pedro Veiga (IST e INESC Lisboa), Rogério Reis (Universidade do Porto) e Salvador Pinto Abreu (Universidade Nova de Lisboa).

O relatório técnico da FCCN em anexo [no site] relata o desenrolar, as opções tomadas e os resultados do projecto “Serviço IP da RCCN”. Em anexo encontra-se também o mapa da Internet portuguesa em Dezembro de 1991. O projecto foi apoiado internacionalmente pela EUnet, a rede que na altura ligava diversos países da Europa ao “backbone” da NSF (National Science Foundation), a Internet propriamente dita. A EUnet tinha sido fundada e era gerida pelos grupos europeus de utilizadores de Sistemas UNIX, associações sem fins lucrativos que divulgavam o sistema UNIX, único sistema aberto da altura e percursor do Linux. A associação nacional de utilizadores de sistemas UNIX chamava-se PUUG – Portuguese Unix Users Group e foi fundada em 1989 por várias pessoas entre as quais José Legatheaux Martins e Pedro Veiga.

Sob a direcção de José Legatheaux Martins, o PUUG assegurou a ligação entre o projecto “Serviço IP da RCCN” e a EUnet em Amesterdão. Nessa altura o PUUG já disponibilizava aos seus sócios, em parceria com o INESC, acesso ao correio electrónico da Internet via o protocolo UUCP e, na sequência do projecto, alargou a sua actividade de divulgação do acesso à Internet aos seus sócios.

Inicialmente essa actividade estava muito dependente do apoio e colaboração do INESC e da FCCN, mas a partir de certa altura o PUUG montou a sua infra-estrutura própria. Esta actividade de divulgação durou grosso modo até ao final do ano de 1995, ano em que o acesso público comercial se vulgarizou em Portugal.

De 1991 a 1995, a Comissão Executiva do PUUG foi constituída por José Legatheaux Martins, Nuno Manuel Guimarães e Rui Bana e Costa. O primeiro servidor do PUUG (dec4pt) foi montado por Salvador Pinto Abreu. Henrique João Domingos da Faculdade de Ciências de Lisboa também apoiou tecnicamente o PUUG durante esta fase inicial. Os primeiros técnicos operacionais permanentes do PUUG na gestão da rede eram alunos da FCUL. No início Jorge Frazão e mais tarde juntaram-se Artur Romão e Carlos Canau.

No dia 29 de Março de 1994 teve lugar no LNEC, o seminário “Portugal na Internet”, organizado pela FCCN, o PUUG e o deputado José Magalhães, com apoio da ISOC (Internet Society) e a FLAD que pagou a deslocação do membro da ISOC. Foi a primeira vez que o público em geral e a imprensa generalista portuguesa tiveram contacto directo com a Internet em Portugal. Nos meses seguintes houve um surto de artigos na imprensa generalista e especializada sobre a Internet.

No essencial, entre 1991 e meio de 1995, para além das universidades e institutos de investigação portugueses apoiados pela FCCN e por esta ligados à Internet, as instituições e pessoas individuais que tiveram acesso a serviços da Internet fizeram-no via o PUUG, na sua qualidade de sócios daquela associação sem fins lucrativos.

Durante esse período, o domínio Internet “.PT” era da responsabilidade da FCCN mas foi gerido pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e depois pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, por contrato com a FCCN, entre 1991 e 1994. O responsável pela gestão era José Legatheaux Martins e o responsável operacional era Artur Romão.

Este site foi desenvolvido com o objectivo de facultar o acesso público a diversa informação e documentação sobre o desenvolvimento inicial da Internet em Portugal, em particular desde o seu aparecimento real, até ao início de 1995, ano a partir do qual a Internet portuguesa, tal como a Internet em geral, deixou de ser uma curiosidade e um serviço essencialmente acessível à comunidade académica e à comunidade empresarial que com ela colaborava, para se tornar uma realidade acessível ao grande público e conduzida numa lógica comercial normal.

O site compreende documentação sobre o projecto inicial de ligação das universidades à Internet e o estabelecimento do primeiro “backbone” IP ligado à Internet em Portugal, dados sobre o domínio DNS português de 1991 a 1994 e dados sobre a actividade do PUUG/EUnet Portugal entre 1990 e 1995 na divulgação do acesso à Internet em Portugal nesse período.

O site não tem dados sobre algumas experiências de acesso a correio electrónico com ligação ao correio electrónico da Internet que tiveram lugar em Portugal antes de 1991 (ligação à rede Bitnet – subsidiada pela IBM – da Faculdade de Ciências de Lisboa e ligação à rede UUCP em Amesterdão do INESC Lisboa montada por Pedro Veiga).

Com efeito, só depois da ligação à Internet via a FCCN em 1991, essas instituições também passaram a ter acesso ao correio electrónico da Internet suportado no DNS e no protocolo SMTP, os sistemas e protocolos que ainda hoje asseguram o funcionamento do correio electrónico na Internet.
O site também não tem dados significativos sobre a evolução da rede da FCCN (RCCN) no período que cobre.

Domínio .PT (1991/1994)
O domínio DNS “.PT” foi montado de Setembro a Novembro de 1991 sob a minha responsabilidade. O NIC (Network Information Center da Internet) reconheceu a sua existência em Janeiro de 1992, isto é, os “root name servers” passaram a indicar os servidores sob nosso controlo como responsáveis pelo nome Internet “.PT”. A partir desse momento as aplicações passaram a funcionar como é hoje normal.

“A terceira e última fase consistiu na aceitação pelo NIC do sistema nacional. Essa aceitação teve efeitos práticos no início de 1992, momento a partir do qual os “root name servers” da Internet passaram a indicar que o servidor central do domínio “.PT” (Portugal) era o servidor “ns.dns.pt”, uma máquina propriedade da FCCN, instalada na sua sede e dedicada em exclusivo à gestão do DNS do país. O domínio “.PT” tem vários servidores secundários (“de backup”) nos EUA (Berkeley, Stanford e UUnet), na Europa (EUnet, INRIA, NORDUnet) e a nível nacional”, pode ler-se no relatório do projecto “Vertente IP da RCCN”.

Em Dezembro de 1991 estavam registados 21 domínios e cerca de 900 endereços IP de computadores. O servidor recebia cerca de 5.000 pedidos de endereços por dia.

Até 1994, José Legatheaux Martins foi o responsável pelo domínio através de um contrato entre o seu empregador, a Universidade de Lisboa e mais tarde a Universidade Nova, e a FCCN. Em 1994 a FCCN passou a assegurar directamente a gestão do domínio.

Artur Romão realizava o trabalho técnico de gestão do servidor e elaborou os relatórios em anexo como relatórios de estágio de Licenciatura em Informática pela Faculdade de Ciências de Lisboa. Artur Romão é também autor do RFC 1713, um RFC informativo sobre as ferramentas existentes então para fazer o “debug” do DNS. A ferramenta que ele desenvolveu baseava-se numa versão inicialmente desenvolvida por Jorge Frazão.

ICP vs PUUG
Enquanto lá fora se dinamizava a Web, por cá acontecia isto: Antes de 1994, a Internet era no essencial desconhecida da administração da Portugal Telecom, do ICP (o organismo regulador hoje renomeado ANACOM) e da administração pública em geral. Com efeito, a primeira ligação à Internet do ICP, da Portugal Telecom e da Marconi (o seu braço para as comunicações internacionais) foram feitas via o PUUG por iniciativa de departamentos técnicos desses organismos. [Ver a secção Ligações à Internet].

No entanto, no início de 1995, o ICP moveu dois processos ao PUUG. Um tinha a ver com o facto de o PUUG utilizar equipamentos de ligação á rede telefónica [modens] não homologados pelo regulador e outro por o PUUG dar acesso à Internet sem ter licença de operador de telecomunicações.

No caso dos modens, o ICP tinha formalmente razão. Com efeito, a legislação só permitia a ligação à rede telefónica de equipamentos por ele homologados. Mas obter o licenciamento dos modens requeria um processo administrativo caro e prolongado que afastava os importadores dos equipamentos mais acessíveis. No entanto, a maioria dos equipamentos de qualidade que ainda não estavam homologados em Portugal, estavam-no nos maiores países europeus e eram muito mais acessíveis através de importação directa. Tanto quanto me foi dado observar, o pesado e caro processo de homologação local apenas servia para proteger o mercado de alguns grandes importadores de equipamentos de telecomunicações.

Todas as lojas voltadas para o grande público vendiam modens mais baratos, não homologados e, tanto quanto eu saiba, o ICP nunca fez nenhuma apreensão desses modens (que eram ligados pelos compradores à rede telefónica pública).

O segundo processo era mais curioso. Com efeito, se o acesso à Internet for feito montando os protocolos e serviços da Internet sobre os serviços de telecomunicações dos operadores da rede telefónica, não é possível classificar um serviço de acesso à Internet como um serviço de telecomunicações, mas antes como um serviço de valor acrescentado, como demonstrei aos técnicos do ICP. O entendimento oficial do ICP não era esse em 1995, ano em que a Telepac começou a oferta em força do seu serviço ao público.

Curiosamente, em 1999, durante o governo PS do Eng.º Guterres, o Governo Português, via o regulador, obrigou a Portugal Telecom a fornecer condições de terminação das chamadas telefónicas que viabilizaram economicamente o fornecimento de acesso à Internet por operadores sem infra-estrutura própria. Nessa altura também deixou de ser necessária licença de operador de telecomunicações para fornecer serviços de acesso á Internet.

* Texto e imagens de José Legatheaux Martins. Reprodução autorizada.