Nós, jornalistas, assumimos que é um problema, mas muitos dados independentes dizem que não.

Para mim, o alarme começou a soar quando vi o artigo na First Draft a desacreditar uma história da [revista] Rolling Stone que retratava os “anti-vaxers” [anti-vacinas] como peões dos teóricos da conspiração de direita. Os “anti-vaxers” estavam a tomar um remédio contra vermes para animais para se protegerem da Covid-19, tinham overdoses e sobrecarregavam os hospitais de Oklahoma City.

A First Draft é uma organização dedicada a combater a desinformação e muito alinhada com os meus próprios receios sobre a influência perniciosa de extremistas de direita e teóricos da conspiração. Assim, fiquei surpreendido com o quão crítica a First Draft era para os meios de comunicação progressistas (BBC, The Guardian, Newsweek) que republicaram sem críticas sumários do artigo da Rolling Stone quando uma básica verificação de factos teria revelado que a história era falsa, com base numa único fonte em segunda mão.

Três dias depois, a First Draft publicou uma newsletter que questionava o pressuposto por trás da sua própria missão: “Is Misinformation the Big Problem We Think it is?”

As vozes que não ouvimos
A newsletter da First Draft referia-se a um artigo da Harper’s Magazine: “Bad News: Selling the story of disinformation”, de Joseph Bernstein. Ele cita vários estudos de especialistas – aqui, aqui, aqui e aqui – que questionam a eficácia da publicidade na Internet ou das campanhas de desinformação.

Todos esses estudos lançam dúvidas sobre o que Bernstein chama de Big Disinfo, um grupo de instituições que procura alarmar-nos sobre as notícias falsas (“fake news”). Ele lista “as instituições que publicam com mais frequência e influência sobre desinformação: Harvard University, New York Times, Stanford University, MIT, NBC, Atlantic Council, Council on Foreign Relations, etc.”

Depois, ele observa: “O facto de as instituições liberais de maior prestígio da era pré-digital serem as que mais investem no combate à desinformação revela muito sobre o que elas têm a perder ou esperam recuperar”. Essas instituições querem restaurar-se como uma “voz autoritária” na sociedade, diz.

O artigo de fé da Big Disinfo, nomeadamente que a publicidade na Internet e a desinformação podem vender-nos qualquer coisa, “cria um mundo de persuasão que é legível e útil para o capital – para os anunciantes, consultores políticos, empresas de media e, claro, para as próprias plataformas de tecnologia. É um modelo de causa e efeito em que as informações veiculadas por algumas corporações têm o poder total de justificar as crenças e comportamentos dos demos [as pessoas comuns]”.

Somos assim tão crédulos?
Um dos artigos citados por Bernstein descobriu que a partilha no Facebook de “links” de domínios de “fake news” (definidos como aqueles que publicam “conteúdo reconhecidamente falso ou enganador”) foi “bastante raro” durante a campanha [eleitoral nos EUA] de 2016. Os que mais provavelmente o fazem são pessoas com 65 ou mais anos de todas as filiações políticas.

Os autores, de Princeton e da New York University, estimaram que o adulto médio viu e recordou-se apenas de 1,14 notícias falsas da campanha. (Veja os dados em “Less than you think: Prevalence and predictors of fake news on Facebook”, de Andrew Guess, Jonathan Nagler e Joshua Tucker, na Science Advances, 2019.)

É claro que somos bombardeados por campanhas anti e pró-vacinas, alimentadas e financiadas pelas narrativas políticas polarizadoras do nosso sistema bipartidário. Mas quem está realmente a ser persuadido a mudar de ideia? Na maioria das vezes, essas campanhas solidificam as opiniões dos extremistas em ambas os extremos do espectro político.

Em busca de informações confiáveis
Tudo isto não visa minimizar a ameaça dos esforços documentados da Rússia e da China para inundar os nossos “feeds” digitais com informações destinadas a minar a democracia e a criar desconfiança das nossas instituições. Mas muito disso é ignorado, como vimos acima.

A grande maioria dos americanos são moderados, apesar do que se vê na TV por cabo ou nas redes sociais, e procuram fontes não políticas em que possam confiar. Com vidas em jogo na crise da Covid-19, os consumidores de notícias em todo o mundo regressaram às marcas de notícias confiáveis ​​para obter informações, de acordo com o 2021 Digital News Report do Reuters Institute.

Os americanos ocupam geralmente o meio-termo, apesar da Síndrome de Desarranjo Trump, na qual os liberais previram durante cinco anos o colapso da democracia americana, e apesar da Síndrome de Desarranjo Obama, na qual os conservadores durante oito anos anteciparam uma tomada comunista dos cuidados de saúde e um estado de bem-estar social.

Em vez disso, o que obtivemos do sistema político americano sob Obama foi uma mudança modesta das políticas convencionais. E com Trump, também uma mudança modesta. A democracia americana sobreviveu a ambos os presidentes, e Trump não foi reeleito.

Em contraste, presidentes imitadores de Trump na Europa Oriental e na América Latina têm defraudado eleições e desmantelado as instituições da democracia – o [poder] legislativo e os tribunais – e estabelecido ditaduras de facto.

Precisamos de levar essas ameaças a sério. Mas o povo americano é mais moderado e tem mais bom senso do que acreditamos. E nós jornalistas devemos ter isso em consideração. Temos que estar mais conscientes dos nossos próprios preconceitos. Temos que ser mais cépticos quanto a aceitar histórias que alimentam as nossas narrativas preferidas sobre política. De contrário, somos parte do problema.

Referências:
Social Media and Fake News in the 2016 Election, Hunt Allcott e Matthew Gentzkow, Journal of Economic Perspectives, 2017.

Social Media, Political Polarization, and Political Disinformation: A Review of the Scientific Literature, William and Flora Hewlett Foundation, 2018.

Subprime Attention Crisis. Advertising and the Time Bomb at the Heart of the Internet, Tim Hwang. Farrar, Straus and Giroux, 2020.

Artigo original publicado em James Breiner: Entrepreneurial Journalism (licença CC).