Quando os manifestantes que apoiavam o presidente Donald Trump invadiram o Capitólio dos Estados Unidos a 6 de Janeiro – partindo janelas, atacando a polícia, ocupando o escritório de Nancy Pelosi – a cobertura de notícias do mortal evento rapidamente começou a aparecer nos “feeds” de media social das pessoas.

Mas as pessoas que acediam ao Facebook não viam todas as mesmas notícias. Alguns utilizadores do Facebook com tendências políticas diferentes viram o motim através de lentes muito diferentes, de acordo com dados do projecto Citizen Browser da The Markup, que rastreia os links servidos a um painel nacional de utilizadores do Facebook.

Ao analisar os dados dos “feeds” do Facebook de centenas de painelistas do projecto, o The Markup descobriu como os que votaram em Joe Biden na eleição de 2020 foram expostos com mais frequência a notícias de títulos apartidários cobrindo directamente o motim no Capitólio e a certificação da vitória de Biden, como o The Washington Post e o The New York Times, enquanto os nossos membros do painel que se identificaram como eleitores de Trump nesta eleição eram mais propensos a serem expostos à cobertura de notícias conservadoras, lideradas por veículos online como The Daily Wire e Breitbart.

Os dois grupos raramente foram expostos às mesmas notícias.

A linha vermelha indica que um “post” tinha informações incorrectas. Neste exemplo, o The Washington Times corrigiu posteriormente a notícia. Fonte: Citizen Browser/The Markup. Dados completos no GitHub.

“Não deve ser surpreendente que pessoas com tendências partidárias diferentes vejam diferentes fontes de notícias no Facebook, assim como fazem com a televisão, rádio e outras formas de media”, disse o porta-voz do Facebook, Kevin McAlister, num comunicado enviado por e-mail ao The Markup. “No entanto, deixámos claro para todos no topo do Facebook e Instagram e no nosso Voting Information Center que o presidente eleito Joe Biden ganhou a eleição”.

Embora não seja segredo que o Facebook oferece diferentes notícias com base nos diferentes interesses dos seus utilizadores, é raro ver dados sobre esta prática.

O projecto Citizen Browser da The Markup, uma iniciativa que analisa o conteúdo que o Facebook escolhe ampliar para os seus utilizadores, tem participantes pagos em todo o país que instalam uma ferramenta personalizada para nos permitir aceder aos seus “feeds” do Facebook. Em qualquer dia de Dezembro ou de Janeiro, uma média de 775 painelistas partilharam os seus dados do Facebook connosco. Removemos identificadores potenciais dos dados que recolhemos e analisamos as informações restantes sobre o conteúdo ao qual os membros do painel foram expostos.

Para determinar que tipo de notícias sobre o motim no Capitólio apareceram nesses “feeds” de 5 a 8 de Janeiro de 2021, pesquisámos os nossos dados do Citizen Browser em busca de conteúdos do Facebook disponibilizados usando termos como “Capitólio”, “protesto”, “motim”e “multidão ”. Descartámos todos os conteúdos que eram anúncios ou não relacionados com o motim do Capitólio. Também descartámos domínios que apareciam apenas no “feed” de um membro do painel. Após filtrá-los, os nossos dados incluíam conteúdos no Facebook servidos a 95 utilizadores que votaram em Trump na eleição de 2020 e 348 que votaram em Biden, e que continham 747 “links” exclusivos de 168 domínios.

O tamanho da amostra é pequeno em comparação com os 196 milhões de utilizadores americanos e canadianos na plataforma, e o nosso painel é pequeno para os eleitores de Trump e os latinos. E embora alguns conteúdos que analisámos tenham sido veiculadas para até 30 utilizadores no nosso painel, muitas foram veiculadas para um ou dois membros do painel.

Mas os dados fornecem um instantâneo de um ecossistema dividido, onde os utilizadores costumam receber notícias diferentes dependendo das suas preferências partidárias e raramente têm hipóteses de ver as diferenças.

O cenário de notícias que os nossos membros do painel do Facebook encontraram foi profundamente polarizado. Ao todo, das centenas de “links” relacionados com os distúrbios, apenas 5% dos links (35) eram comuns entre os nossos painelistas. Um desses “links” cruzados foi uma notícia do New York Post sobre o tiro fatal contra a apoiante de Trump, Ashli ​​Babbitt, pela polícia.

Fonte: Citizen Browser/The Markup. Dados completos no GitHub.

Os “feeds” do Facebook de eleitores de Biden auto-identificados no nosso painel continham “links” do The New York Times e da NPR sobre o Congresso a aprovar a vitória de Biden, mostrado aos painelistas num total de 29 vezes, ou um artigo do Washington Post examinando a fraca resposta da aplicação da lei, que foi servida a nove painelistas. A cobertura da CBS News, servida a sete painelistas eleitores de Biden mas apenas a um eleitor de Trump, era sobre um legislador da Virgínia Ocidental que postou um vídeo dele próprio a atacar o Capitólio gritando: “Estamos dentro!”

Os “links” mais frequentemente mostrados aos eleitores de Biden eram postados às vezes directamente pelos meios de comunicação que os publicaram, mas a sua disseminação também foi alimentada por páginas partidárias do Facebook como “Trump Sucks”, que tem mais de 800 mil seguidores, ou pelo ainda mais popular “Occupy Democrats”, que tem mais de 10 milhões de seguidores.

Mas, para os membros do painel que votaram em Trump, a cobertura do evento veio com mais frequência de meios conservadores, e “links” populares frequentemente apontavam para a resposta política e da media ao motim.

Os membros do painel receberam artigos do The Daily Wire, por exemplo, focados em comentários de Joe Biden e Chuck Schumer, que descreveram o motim como, respectivamente, uma “insurreição” e a causa de um dia que agora viverá na “infâmia”, traçando um paralelo com Pearl Harbor. Um artigo da Breitbart focou-se em Michelle Obama, que chamou a rebelião de acto de um “gangue” violento. Dois ou três painelistas na nossa amostra de eleitores de Trump foram servidos com cada um desses “links”.

Outro artigo do Daily Wire, visto por outros quatro dos nossos votantes de Trump, focou-se na deserção da senadora republicana Kelly Loeffler, que se afastou de um plano para contestar a certificação da vitória de Biden.

Nos textos relacionados com os distúrbios do Capitólio nos “feeds” dos nossos painelistas, vimos pelo menos um exemplo claro de desinformação: uma história viral do conservador Washington Times afirmando que os rebeldes pró-Trump foram identificados como membros da antifa por meio de reconhecimento facial. O artigo, que já foi corrigido, foi servido a quatro eleitores de Trump na nossa amostra, colocando-o entre os “links” mais vistos daquele grupo.

A cobertura dos media tradicionais sobre o motim também se tornou alvo de notícias da media conservadora que chegaram aos “feeds” dos nossos painelistas. Um artigo do The Federalist aproveitou a notícia para listar “28 vezes que a media e os democratas desculparam ou endossaram a violência cometida por activistas de esquerda”. Um artigo do Daily Caller mostrou um apresentador da Fox News lamentando a cobertura dos media sobre o motim e alegando que a esquerda tentou “escolher os seus manifestantes favoritos”. Alguns “links” que apareceram nos “feeds” dos nossos eleitores de Biden focaram especificamente na cobertura do motim pela direita.

“Temos muito pouco conhecimento sobre o que está a acontecer nessas plataformas, quem está a ver o quê”, disse Jennifer Grygiel, professora assistente de comunicação na Syracuse University, com um foco em plataformas de media social. “E isso é um problema”.

Os círculos estão dimensionados proporcionalmente com base no número relativo de eleitores Biden e Trump. Fonte: Citizen Browser/The Markup. Dados completos disponíveis no GitHub.

A nossa análise não pode dizer exactamente porque qualquer “link” foi especialmente popular entre os nossos painelistas, mas fica claro pelos comentários do Facebook que muitos leitores foram atraídos por certos artigos porque agitavam tensões partidárias.

Algumas das notícias que apareceram nos “feeds” dos nossos eleitores de Trump receberam milhares de comentários.

O principal comentário do Facebook sobre a história de Loeffler, um “post” do conservador Daily Wire publicado no Facebook sob a página do fundador do site Ben Shapiro, chamou a sua mudança de postura de “uma decepção”. A principal resposta a outro artigo do Daily Wire, sobre o representante republicano Adam Kinzinger pedindo a remoção imediata de Trump do cargo, sugeriu que os republicanos queriam remover Trump “porque ele pode desclassificar o que eles não querem que vejamos”.

Pelo contrário, um comentário importante do Facebook num artigo da CNN sobre a renúncia da secretária de Educação, Betsy DeVos, postado pela página Being Liberal, obteve uma despedida atrevida: “Bye bye Betsy!”

Embora o Daily Wire fosse uma fonte popular para os membros do painel eleitor de Trump, encontramos apenas um painelista votante de Biden cujo “feed” continha um “link” para uma história do Daily Wire, um artigo sobre Trump fazendo uma declaração de estar “indignado com a violência”.

A cobertura das próprias palavras de Trump pelas notícias também divergiu, dependendo das tendências políticas do painelista. Na amostra de eleitores de Trump, um artigo que apareceu nos “feeds” de dois membros foi um artigo da Fox News que se concentrou numa declaração do vídeo de Trump condenando o “ataque hediondo” ao Capitólio, que surgiu após o seu anterior incentivo à manifestação. O artigo foi mostrado a um painelista Biden.

A dez painelistas eleitores de Biden, por comparação, foi servido um artigo da NBC News que se concentrava mais directamente na violência e no papel de Trump em incitar o ataque, apontando que ele tinha dito antes aos seus apoiantes que “nunca iremos admitir”.

* Texto publicado pela The Markup. Reproduzido sob licença (CC BY-NC-ND 4.0). Foto (de 2008): Elvert Barnes (CC BY-SA 2.0).