No passado dia 25 de Fevereiro, surgiu nas redes sociais um suposto “plano de desconfinamento”, que pouco depois se revelou ser falso e da autoria de um consultor e colunista do diário online de direita Observador.

“Para perceber de que forma esta informação falsa – e os seus posteriores desmentidos – se propagaram nas redes sociais”, o MediaLab do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa analisou a linha temporal e alguns dos efeitos da propagação desta desinformação, em “O falso plano de desconfinamento: uma anatomia da desinformação e da contranarrativa“.

As referências foram registadas durante 24 horas, desde as 11 horas do dia 25, cerca de um quarto de hora antes da detecção do primeiro tweet. Foram assim considerados 480 tweets originais usando a expressão “plano de desconfinamento”, mais 4.219 retweets, 251 publicações em páginas do Facebook e 19 no Instagram.

O número de mensagens pode ser maior, porque podem ter sido apagadas nestas redes sociais quando circulou o desmentido. E apesar da mensagem ter alegadamente sido disseminada inicialmente pelo WhatsApp, esta rede fechada não permite esta recolha de dados.

Dos primeiros 20 tweets publicados entre as 11h15 e as 12h21, “13 são de crença no documento, mas sete já são de desconfiança ou mesmo desmentido”. A dúvida iniciou-se com um tweet publicado às 12h01.

Curiosamente, alguns utilizadores pedem uma confirmação ao Vost.pt, um grupo reconhecido pelas suas intervenções voluntárias em casos de emergência pública e de protecção civil, mas não divulgam se o terão feito junto das autoridades oficiais. E apesar do “primeiro desmentido taxativo” no Twitter ter sido dado “a título particular por uma jornalista da SICNotícias, às12h09”, não era referida qualquer fonte oficial. Isso ocorreu dois minutos depois pelo Vost.pt, obtendo depois mais de 1.500 retweets.

O primeiro desmentido num órgão de comunicação social (OCS) ter ocorrido apenas às 12h35, pelo Diário do Distrito, de Setúbal, enquanto o primeiro “fact-checking” é o do Observador às 12h44. O governo responde quase duas horas depois, com o primeiro tweet na conta do Governo a ser publicado às 13h01, apenas sendo retweetado cerca de 300 vezes. Os registos do MediaLab não detectam quaisquer tweets de enganados neste tema após as 12h45.

Num questionário mais tarde partilhado nas redes sociais, os autores obtiveram 3.350 respostas, com 87% dos participantes a afirmar ter “recebido/visto o conteúdo desinformativo”, principalmente através do WhatsApp – uma plataforma que, desde o início da pandemia, “tem vindo a ganhar destaque” na desinformação. Mas esta plataforma foi igualmente referida como aquela em que principalmente (51%) viram o desmentido ao “plano”, seguindo-se o Facebook (33,4%) e o Instagram (26,5%)​.

Este caso é relevante, segundo os autores do estudo, por se tratar “de um assunto que apela directamente à totalidade da população, enquanto que a desinformação tende a ser, na maioria das vezes, centrada em temáticas que se direccionam para apenas uma parte”.

Depois, era dirigida directamente ao Governo, “colocando a fasquia a atingir no alvo máximo” e também para ter “um elevado poder de resposta para [a] desmentir”. Neste contexto, teria – como teve – um envolvimento dos OCS, a tentar apurar se havia alguma credibilidade na mensagem ou, após se afastar esta hipótese, em conhecer a sua autoria.

Ao facto de ser “cronista no Observador, entidade jornalística que dispõe de um sistema de ​fact-checking”, o “interesse em desconstruir a desinformação detectada era prioritário para a salvaguarda da marca jornalística e de opinião”.

Os investigadores notam ainda os aspectos para se desmentir em tempo útil a desinformação. O desmentido neste caso implicou “o uso de uma contranarrativa simples -“é falso”-, mas também uma triangulação entre o campo institucional, jornalístico e de vozes individuais com credibilidade pública”. Assim, “a entrada em acção dos [OCS] é fundamental para dar força à contranarrativa sobre a falsidade do documento, tendo-se seguido os ​fact-checkers e, depois, o desmentido oficial do Governo”, atrasado e sem efeitos neste caso mas que, noutro tipo de eventos falsos, pode ser perigoso.

“A cronologia dos factos mostra, também, que o jornalismo tradicional foi mais rápido que os ​fact-checkers a criar contranarrativas e a difundi-las”. No entanto, antes deles, a presença de cidadãos com voz no espaço público do Twitter foi instrumental na criação de um ambiente propício à criação de vozes críticas e a uma dúvida metódica sobre a veracidade do ‘documento do desconfinamento'”.

Na desinformação, esta rapidez em desmentir uma falsidade é essencial para evitar uma escalada descontrolada das situações – tanto mais que muitas das mensagens desestabilizadoras são partilhadas automaticamente por bots.

Em termos políticos, por exemplo, a European External Action Service criou a East StratCom Task Force para lidar com a desinformação russa, relatada no site EU v Disinformation, que “funciona como um sistema rápido de alerta pan-europeu“.