Na segunda década do século XXI a humanidade confronta-se com quatro problemas que ameaçam a sua existência sobre o planeta Terra: a desregulação climática, a epidemia Covid e as obesidades física e mental. A mais sombria das situações que afeta a vida no planeta tem a ver com a “desregulação climática e consequente extinção da biodiversidade”. A neurocirurgiã norte-americana Anne Christine Duhaime, professora da Universidade de Harvard, acaba de publicar a obra intitulada “Minding the Climate – How Neuroscience Can Help Solve Our Environmental Crisis”. Nela a autora demonstra como no decurso de centenas de milhares de anos a humanidade desenvolveu competências no cérebro para assegurar sobrevivência, reprodução, segurança e acumulação de bens. Em fase posterior o cérebro organizou um sistema neural de recompensa e satisfação, que é tanto mais poderoso quanto os fatores de acumulação acima citados forem plenamente satisfeitos.

Mas o que é que o combate à desregulação climática tem a ver com o sistema neural de recompensa que o nosso cérebro comanda?

Tudo.

Aquela parte da humanidade que vive em sociedades prósperas e poderosas, considera que a luta contra as alterações climáticas coloca em perigo o status quo dos mais abastados mediante supressões, que ameaçam não só o bem-estar individual, como afetam os dividendos das indústrias mais poluentes e lucrativas. Daí decorre o posicionamento social e político do “faz que não faz”, timbre individual e coletivo de uma sociedade que se rege pela máxima de que “é preciso que alguma coisa mude para que tudo continue na mesma”.

Carlos Correia

Quanto à luta travada contra a epidemia Covid é uma batalha de longo curso e está longe de se considerar vencida: na estação invernal, as mutações do vírus continuam a multiplicar-se e não existe a certeza de que as novas versões das vacinas atualmente ministradas possuam aquela eficácia que extinguiria, de uma vez por todas, as infeções mortais, bem como as que provocam efeitos de longa duração. Cabe à investigação científica aprofundar trabalhos em curso de molde a fornecer à indústria farmacêutica os elementos necessários para fabricarem novas vacinas baratas que cubram toda a humanidade.

A epidemia da obesidade é mais uma circunstância nociva da vida contemporânea. Há cerca de meio século a obesidade era uma doença pouco habitual, mas com a sociedade de consumo a produzir alimentos processados industrialmente, que satisfazem o paladar, mas prejudicam o organismo, rapidamente os corpos ganharam em peso o que perderam em saúde.

O professor Joel Rigg, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, considera que “a obesidade não é uma epidemia do foro médico. A maneira como se vive nas sociedades ricas mudou não apenas por via dos suprimentos alimentares processados industrialmente. Os lugares onde vivemos, o ambiente urbano em que nos deslocamos e as tipologias de transporte utilizados contribuíram para a transformação dos nossos corpos. Ganhámos massa, massivamente”.

Com o advento das máquinas digitais, ligadas entre si pela Internet, surgiu o fenómeno das chamadas redes sociais. Os especialistas em educação consideram que um número excessivo de horas passadas frente às máquinas gera toda uma série de problemas de concentração que põem em causa não só as aprendizagens dos mais novos, como as atividades profissionais dos adultos, pois as dimensões lúdica do uso das máquinas afetam a atenção, desviam e perturbam a capacidade de concentração.

Segundo as investigações da professora francesa Barbara Demeneix, especialista no estudo dos fatores chave que poluem o organismo e provocam disrupções na capacidade de concentração, “ não há modo de manter um cérebro normal nos dias que correm. O fenómeno afeta-nos a todos”. Depois de concluir um estudo realizado com estudantes universitários, a diretora do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) de França refere que “a capacidade demonstrada pelos estudantes em manter o foco sobre uma dada tarefa já não ultrapassa os 65 segundos, enquanto nos trabalhadores de escritório se esgota em cerca de 3 minutos”. E a investigadora conclui: “tal não acontece porque a força de vontade é débil. O foco não colapsou, foi roubado”.

Considera-se que o “roubo” é iterativo e ocorre na medida em que aumenta o número de horas em que os olhares se fixam nos ecrãs de computadores, ou telemóveis. O foco que mantém a atenção dispersa-se porque o olhar é frequentemente desviado para a série de anúncios e mensagens sedutoras que perpassam pelo ecrã. Além disso, ao permitir a instalação de “cookies” nas nossas máquinas digitais oferecemos à orquestra de algoritmos que determina o aparecimento de publicidade as condições ideais para executar uma partitura de marketing que foi individualizada em função das informações recolhidas pelos famigerados “cookies”. Sempre que os utilizadores aceitam a oferta desses “bolinhos” oferecem de bandeja o seu perfil de gostos e preferências públicas e privadas aos algoritmos de marketing digital que com ele endereçam anúncios ao gosto do cliente, pois o seu objetivo é organizar bases de dados da presumível clientela e potenciar vendas.

São sombrios os tempos durante os quais progridem as epidemias Covid, a obesidade física e mental bem como a desregulação climática. António Guterres, o secretário-geral das Nações Unidas, por mais de uma vez frisou que “a humanidade está a tornar-se numa “arma de extinção maciça da natureza” e que enfrenta o “suicídio coletivo, se não forem redobrados os esforços para combater as alterações climáticas”.

Artigo original de Carlos Correia, reproduzido com autorização do autor.