Por David Lanzendörfer, Process Designer da LibreSilicon

Instalei o meu primeiro sistema operativo open source, OpenBSD, e escrevi o meu primeiro código em C quando tinha 9 anos e vivia na Suíça. A minha inspiração foi a ideia de um computador senciente (Inteligência Artificial Geral) controlar um robô na série “Knight Rider” (“O Justiceiro” em Portugal).

Nessa altura, aceitar que um KITT (supercomputador avançado sobre rodas) não era real foi mais doloroso do que descobrir que o Pai Natal não existia. Como resultado, o meu objectivo de vida foi o de me tornar no melhor hacker e engenheiro possível para construir um KITT que fosse funcional e servisse o seu propósito enquanto maior herói de todos os tempos, tal como na série “Knight Rider”.

Não foi fácil ser inovador na Suíça. Viajei para a China onde, durante muitos anos, fui acumulando experiência prática com a engenharia. Após um longo percurso de 24 anos, o conhecimento sobre a ciência de materiais que fui adquirindo permitiu-me desenvolver um processo de produção de semicondutores em open source, o LibreSilicon. Em paralelo, consegui bastantes progressos na investigação em IA e robótica.

Liberdade como solução para tudo
Desenvolvemos um processo de produção de semicondutores standard e “free” (como em livre, não como gratuito) que inclui um PDK (Process Design Kit) de sinal misto completo e permite produzir de forma rápida, fácil e mais económica. Não são necessários “non-disclosure agreements” (NDAs ou acordos de confidencialidade) para começar, o que torna possível desenvolver os designs a partir de uma cave, se alguém o pretender fazer.

Qual o problema que este projecto resolve?
O LibreSilicon resolve vários problemas existenciais. Em primeiro lugar, a preocupação com a credibilidade, fiabilidade e segurança das UPCs nos nossos computadores, smartphones e outros equipamentos está em crescimento. O LibreSilicon oferece um processo e “node” tecnológico totalmente aberto que permite realizar uma auditoria de segurança completa às plataformas das UPCs. Desta forma e através de “peer reviews”, conseguimos melhorar as garantias de segurança e evitar “backdoors” ocultos no hardware que podem ser acessíveis para agências de inteligência.

A experiência da minha senda de contruir um KITT foi o que me permitiu desenvolver um standard para a produção de semicondutores. Esta norma contribui para o rastreamento de todo o processo de produção, desde o Verilog/VHDL/Chisel, RTL, layout do transístor à verificação visual do produto físico. Com a especificação dos parâmetros alvo das estruturas de teste, necessários para suportar a tecnologia do LibreSilicon, torna-se possível desenhar e testar qualquer ASIC (CMOS e analógico) algures em Tóquio e depois fazer o download do design através do GitHub e produzi-lo em qualquer parte do mundo. É isso que estamos a fazer. Actualmente, estamos a utilizar a SkyWater para os nossos “tape-outs”. Estamos a transferir o nosso “wafer” de teste PearlRiver para a plataforma da SkyWater com a cooperação do MIT, da EFabless, da Google e do NIST.

Para além de conseguirmos excluir agências de inteligência e espionagem dos nossos smartphones e passarmos a ter controlo sobre os nossos dados, o LibreSilicon também resolve problemas relacionados com os monopólios nestes sectores. O LibreSilicon pretende acabar com o “lock-in” que existe com alguns fornecedores e com o monopólio dos maiores produtores de semicondutores através da introdução de standards open source no processo de produção de semicondutores (processo LibreSilicon) para a produção de chips. Ao democratizar e descentralizar a produção de semicondutores, queremos revolucionar o mercado possibilitando mais liberdade na escolha de soluções para produção de semicondutores.

Onde se vê daqui a 10 anos?
É a questão mais antiga em Recursos Humanos, mas vamos respondê-la aqui. No futuro, espero ter uma casa com IA no sul da Europa. Gostaria de conseguir um pouco de paz e tranquilidade, onde os únicos ruídos seriam o vento e a água a ser bombeada através do meu sistema aquapónico de gestão autónoma. Espero também que a minha evolução em engenharia continue e que seja capaz de construir um carro senciente virtualmente indestrutível. Com essa tecnologia, gostaria também de acabar com a fome no mundo através da automação da produção de alimentos.

O papel da NGI
No que diz respeito a projectos de hardware, o financiamento é fundamental uma vez que excepto quando a programação é feita com hardware, em particular semicondutores, não é possível editar o código e recompilar. Cada alteração no design do hardware implica fazer um novo layout, enviá-lo para a fundição e esperar. Isto significa que são necessários cerca de 6 meses para resolver bugs. Neste momento, estou a beneficiar de 50% do financiamento para o meu projecto.

Com o apoio da NGI tive a possibilidade de me concentrar de novo a 100% no LibreSilicon e ter o suporte financeiro que me permite apostar em desenvolvimentos nos próximos meses.

Adicionalmente, fazer parte da comunidade da NGI e ser apresentado a outros membros possibilitou o contacto com outras redes com o mesmo “mindset” e vontade de construir um acelerador de IA com o nosso Open Source PDK.


Glossário

ASIC: Circuito integrado de aplicação específica.

CMOS: Semicondutor metal-óxido complementar; pequena parte da memória na “motherboard” de um computador que armazena as configurações Basic Input/Output System (BIOS).

Chisel (Constructing Hardware in a Scala Embedded Language): Linguagem open source que descreve hardware utilizada para descrever electrónica digital e circuitos ao nível “register-transfer”.

RTL: Lógica resistor-transistor.

Verilog: Linguagem que descreve hardware utilizada para modelar sistemas electrónicos.

VHDL: Linguagem que descreve hardware utilizada para modelar o comportamento e estrutura de sistemas digitais.