Quase 90 membros dos Hell Angels estão a ser julgados no Tribunal de Loures e a juíza considera ser “absolutamente necessário” fotografar as suas tatuagens. 26 arguidos asseguram que não vão permitir esse registo, outros pretendem recorrer da decisão “e há dois que não se importam ‘de fazer o tribunal perder tempo e dinheiro'”, relata o Expresso. O semanário explica como “há tatuagens que só um Hell Angel pode ter”, dando o exemplo do 81, “símbolo da oitava e da primeira letra do alfabeto: HA, as iniciais do grupo de motards”.

Alguns dos arguidos recusaram a decisão judicial por a considerarem uma “humilhação”, no sentido que lhe dá um seu advogado: é “uma violação do direito à privacidade dos arguidos e porque já foram fotografados quando foram detidos pela PJ. Não há necessidade de estar a repetir um exame que é humilhante. Além disso, só provam que um arguido pertence ao grupo, não provam a prática de qualquer crime”.

A juíza considera “absolutamente necessário” obter essas fotografias, apontando que as anteriores são “insuficientes” pelo que os arguidos não as podem recusar.

No entanto, as tatuagens são dados biométricos. A Comissão Nacional para a Protecção de Dados esclarece que estes “são considerados dados sensíveis, pelo que só é legítimo proceder ao seu tratamento em duas situações: se houver uma lei que expressamente preveja esse tratamento e que, adicionalmente, estabeleça garantias para a defesa dos direitos dos titulares; ou se for obtido o consentimento do titular dos dados, nos termos legalmente exigíveis para o consentimento, ou seja, assegurando que o consentimento é explícito, informado, específico e dado livremente”.

O registo de tatuagens em Portugal tem mais de um século. O Arquivo Histórico da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais mostrou numa exposição em 2017 “o livro de registo de entrada de reclusos da Penitenciária de Lisboa, de 1889, com desenhos de tatuagens de um recluso [e] o Álbum de Tatuagens do Posto Antropológico da Cadeia Nacional de Lisboa (Cadeia Penitenciária de Lisboa) iniciado em 1914, no qual se registavam as tatuagens que cada um dos reclusos possuía”.

Apesar disso, a questão do registo judicial de tatuagens não é pacífica. Ela foi debatida há alguns anos nos EUA quando o FBI quis desenvolver um vasto programa algorítmico de registo e identificação dos seus detentores, explicou a Electronic Frontier Foundation (EFF).

As tatuagens “podem revelar quem somos, as nossas paixões, ideologias, crenças religiosas e até as relações sociais”, notou a organização de direitos digitais. A justiça normalmente consegue fotografá-las no processo de detenção ou na admissão no estabelecimento prisional, “usando muitas vezes essas informações para colocar pessoas em controversas bases de dados de gangues”.

Estes registos podem ser úteis na resolução de crimes posteriores mas afectam a privacidade dos julgados e considerados inocentes. Tatuagens semelhantes podem decorar o corpo de um criminoso tanto como de um inocente, permitindo catalogar ambos como suspeitos.

Como característica biométrica, elas são únicas, “electivas (as pessoas geralmente optam por se tatuar) e expressivas (dizem coisas sobre a vida pessoal)”. Por terem objectivos de afirmação pessoal, “qualquer tentativa de identificar, perfilar, classificar ou vincular pessoas com base” nelas afecta a liberdade de expressão.

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O potencial da tecnologia de reconhecimento de tatuagens é importante para “mapear ligações entre pessoas” com tatuagens de temas semelhantes ou inferências sobre as suas ideologias políticas ou crenças religiosas. Este caso é particulamente sensível devido à iconografia cristã (ou outras, como o judaísmo) poder servir para perseguições.

No caso dos EUA, o programa Tattoo Recognition Technology obteve 15 mil imagens (de detidos ou presos) que foram entregues a outras entidades, nomeadamente empresas, “com pouca restrição sobre como as imagens podem ser usadas ou partilhadas. Muitas das imagens analisadas pela EFF continham informações de identificação pessoal, incluindo nomes, rostos e datas de nascimento”.