O Department of Homeland Security (DHS) dos EUA considerou esta semana a “desinformação” como uma ameaça terrorista.
O mais recente boletim do National Terrorism Advisory System, distribuído pelo DHS com o título “Summary of Terrorism Threat to the U.S. Homeland“, considera que “os EUA permanecem num ambiente intensificado de ameaças alimentado por vários factores, incluindo um ambiente online cheio de narrativas falsas ou enganadoras e teorias da conspiração, e outras formas de desinformação e má informação (MDM) introduzidas e/ou amplificadas por actores de ameaças estrangeiros e domésticos”.
O alerta nota a “proliferação de narrativas falsas ou enganadoras, que semeiam a discórdia ou minam a confiança pública nas instituições governamentais dos EUA”.
Este cenário pode evoluir para “ataques em massa com vítimas e outros actos de violência dirigidos conduzidos por criminosos solitários e pequenos grupos que agem em prol de crenças ideológicas e/ou queixas pessoais”, representando assim “uma ameaça contínua à nação”.
Mas o que é o terrorismo?
“‘Terrorismo’ pode muito bem ser a palavra mais importante no vocabulário político nos dias de hoje”, escreveu Alex Schmid em “Terrorism – The Definitional Problem” (de 2004). E é também uma palavra de difícil clarificação – tanto que a Comissão Europeia quer uma “definição legal” mais precisa.
Para o cientista político Schmid, que abordou em larga extensão este problema, “algumas pessoas não se parecem importar em definir terrorismo nem consideram que vale a pena definir o conceito. Mas certamente, quando os governos pedem a jovens homens e mulheres que lutem numa ‘guerra ao terrorismo’, os soldados, polícias e outros efectivos de primeira linha têm direito a uma resposta adequada à pergunta sobre contra o que devem eles exactamente lutar na ‘Guerra Global ao Terrorismo'”, questionando se ela “é uma guerra metafórica como a ‘guerra às drogas’ ou a ‘guerra à pobreza’ ou é uma guerra real”?
Noutro texto do mesmo ano, Schmid apontou “cinco lentes conceptuais através das quais podemos olhar para o terrorismo” e que envolvem a relação com o crime, a política, a guerrilha, a comunicação e o fundamentalismo religioso.
“O conceito de terrorismo é difícil de definir porque as políticas envolvidas são difíceis de gerir”, sintetiza Ziyanda Stuurman em “Terrorism as Controversy: The Shifting Definition of Terrorism in State Politics“. “Onde a influência política supera a evidência baseada em factos, a definição de terrorismo e quem constitui uma ameaça terrorista torna-se ainda mais complexa e controversa, com pouca possibilidade de que essa controvérsia seja resolvida por causa de um desacordo sobre os factos básicos”.
Segundo esta investigadora, um “bom ponto de partida podem ser as origens da própria palavra” – terror -, usada para descrever as acções dos revolucionários em França no final do século XVIII. “Começando com citações da década de 1790, o terrorismo foi literalmente definido como (1) governo por intimidação dirigido e executado pelo partido no poder na França durante a Revolução de 1989-94 e (2) política destinada a incutir terror naqueles contra quem é adoptada”.
Foi o que sucedeu em França, com a adopção da guilhotina por Maximilien de Robespierre para incutir terror nos seus compatriotas inimigos.
“O terror nada mais é do que uma justiça pronta, severa e inflexível; é, portanto, uma emanação da virtude”, disse então Robespierre. Em poucos meses, os “terroristas” patriotas mataram 40 mil pessoas. O terrorismo de Estado acabou com a execução do próprio Robespierre, acusado de terrorista. “Desde então, académicos, organizações e agências governamentais em todo o mundo criaram mais de 260 definições de ‘terrorismo'”, nota Stuurman.
Onde está o terrorismo de extrema-esquerda?
Portugal não escapa ao fenómeno de catalogar incidentes criminosos graves como actos terroristas, mas é peculiar noutro sentido: “não houve prisões relacionadas com o terrorismo extremista de esquerda fora de Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia. A Itália registou o número mais elevado nesta categoria com 24 detenções, seguida da Grécia com 14 detenções”, segundo os dados do recente “Terrorist Threat Assessment 2019- 2021“, do International Centre for Counter-Terrorism.
Perante esta generalização (e banalização) do termo, a Comissão Europeia anunciou em Novembro passado que pretende clarificar a definição de terrorismo, a partir de um relatório entregue pela Fundamental Rights Agency (FRA) europeia.
A directiva contra o terrorismo, adoptada em 2017 após vários ataques terroristas em solo europeu, não tem qualquer definição do termo mas foca-se em alternativa numa dezena de “infracções terroristas” que tenham objectivos de “intimidar gravemente uma população; compelir de forma indevida os poderes públicos ou uma organização internacional a praticar ou a abster-se de praticar um acto, [e] desestabilizar gravemente ou destruir as estruturas políticas, constitucionais, económicas ou sociais fundamentais de um país ou de uma organização internacional”.
A FRA considera que, “por causa das definições dos delitos, a natureza criminosa do comportamento é em grande parte determinada pela intenção da pessoa, o que é difícil de provar. Na ausência de critérios objectivos, surge a preocupação de que as autoridades possam basear-se em critérios e indicações subjectivas, presumir a existência de dolo nalguns casos e transferir o ónus da prova para a defesa”.
Este quadro é preocupante por existirem “vários riscos concretos para os direitos fundamentais [que] surgem da linha ténue entre liberdade de expressão e crime. Vários académicos, ONGs e órgãos de supervisão aumentam o risco de auto-censura. As consequências imprevisíveis de uma opinião expressa podem ter um efeito assustador em indivíduos que preferem abster-se de se expressar do que arriscar consequências criminais pela sua conduta”.
Perante as diluídas fronteiras do que é desinformação, o mesmo pode agora suceder nos EUA.