Os decisores políticos que desejam atribuir a culpa pela desinformação social (e regular os media sociais) precisam de examinar tanto a media nova quanto a antiga – sejam conservadores ou liberais. Concentrar-se num tipo de media ou numa empresa em particular é injusto e injustificado.

Visão geral
A hostilidade em relação aos media sociais, particularmente o Facebook, tem aumentado no Capitólio e nos media desde 2016, quando a desinformação russa foi frequentemente acusada pela vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton. Mesmo que as paixões da campanha presidencial daquele ano tenham esfriado – e análises subsequentes tenham revelado que o impacto da interferência eleitoral russa foi exagerado – a ideia de que o Facebook é uma fonte perigosa de desinformação social tornou-se profundamente enraizada como sabedoria convencional nos media “mainstream”. https://www.thenation.com/article/archive/russiagate-elections-interference/ Isto está a distorcer o debate político em curso sobre até que ponto as plataformas da Internet desempenham um papel na disseminação de desinformação e as suas obrigações para a combater.

Como sucedeu com a interferência russa, a visão de que o Facebook é uma fonte perigosa de desinformação é significativamente exagerada – e a grande media devia estar menos focada em insultar um concorrente e mais preocupada em colocar a sua própria casa em ordem.

10 casos da “velha media” a disseminar desinformação prejudicial
Considere-se como as principais redes de televisão, canais por cabo e outras organizações de notícias importantes dos EUA serviram como superdifusores de imensa desinformação prejudicial nos 10 exemplos seguintes:

1. Em Ferguson (Missouri), de acordo com reportagens da imprensa contemporânea que se tornaram consagradas na cultura popular, Michael Brown levantou as mãos enquanto dizia “Não atire!” Investigações subsequentes do Departamento de Justiça dos EUA revelaram que, embora o Departamento de Polícia de Ferguson “se envolva num padrão de paragens e prisões inconstitucionais em violação à Quarta Emenda”, como muitos manifestantes alegaram, essa não era a história neste caso: as provas mostram que Brown lutou, tentou agarrar a arma e estava a mover-se em direcção ao polícia que disparou contra ele.

2. O dossier Steele, com as suas alegações de má conduta lasciva de Donald Trump e de cooperação com a Rússia, foi amplamente divulgado como tendo vindo de ex-fontes da inteligência britânica “altamente credíveis”. Mas o documento era uma pesquisa da oposição que acabou por consistir em informações fracas e infundadas.

3. Os vídeos iniciais de media social pareciam mostrar Nicholas Sandmann e um grupo de colegas da Covington High School numa viagem de campo ao National Mall a provocarem um ancião nativo americano enquanto gritavam “Construa esse muro!” A maioria dos principais meios de comunicação publicou e amplificou essa história, tornando-a uma grande questão nacional. Mas notícias posteriores revelaram que os alunos não fizeram nada disso.

4. Os protestos do Black Lives Matter durante 2020 foram amplamente descritos como “bastante pacíficos”. Mas enquanto análises detectaram que 94% dos protestos foram pacíficos, os a media minimizaram os 6% restantes, que foram os protestos mais violentos nos Estados Unidos desde a década de 1960, em que 2.037 polícias ficaram feridos, ocorreram 2.385 casos de pilhagens, 624 casos de incêndios criminosos, centenas de veículos policiais queimados ou seriamente danificados e cerca de 2.000 milhões de danos materiais em 140 cidades dos EUA. Descrever isto como “bastante pacífico” é como descrever o lado sul de Chicago como “bastante seguro”, porque 94% dos moradores não foram baleados.

5. Foi amplamente divulgado que a Rússia colocou “recompensas” a soldados dos EUA no Afeganistão e que o presidente Trump não fez nada em resposta. Mas o governo Biden admitiu mais tarde que a CIA tem apenas uma “confiança baixa a moderada” em tais recompensas.

6. As alegações de que a Covid-19 pode ter começado num laboratório em Wuhan, na China, foram rapidamente descartadas e amplamente divulgadas como “desmascaradas” e como uma “teoria da conspiração racista” até que muitos cientistas assumiram que um acidente de laboratório é uma possibilidade distinta. Muitos pediram que a Organização Mundial da Saúde (OMS) investigasse adequadamente, e a administração Biden achou por bem realizar a sua própria revisão. A China continua a bloquear e a retaliar contra toda e qualquer investigação desse tipo. [A ler o mais recente artigo “Why did scientists suppress the lab-leak theory?“]

7. A descoberta em Abril de 2019 de um laptop que Hunter Biden supostamente deixou numa oficina de computadores foi rapidamente descartada como “desinformação russa” quando forneceu informações sobre os seus negócios na Ucrânia e na China. Tanto o laptop quanto o seu conteúdo foram posteriormente confirmados como autênticos.

8. O New York Times reportou e muitos outros repetiram que o oficial Brian Sicknick morreu após ser atingido por um extintor de incêndio por manifestantes durante o ataque de 6 de Janeiro ao Capitólio dos EUA. Essa história foi posteriormente corrigida para observar que o oficial Sicknick morreu no dia seguinte de causas naturais.

9. Quando o interesse em usar o medicamento antiparasitário ivermectina para tratar a Covid-19 aumentou após investigadores australianos observarem que ele acabava com o vírus Covid em ambiente de laboratório, em vez de simplesmente afirmar que o consenso médico é que o medicamento não é eficaz para Covid e que os níveis de dosagem propostos para grandes animais são muito perigosos, a imprensa “mainstream” rapidamente descartou o medicamento como um “vermífugo de cavalos”. Mas a ivermectina não é apenas para animais. Ela tem sido usada em segurança por seres humanos há quase 40 anos. Como praticamente eliminou a oncocercose [ou cegueira do rio] em muitos países, está na lista de “medicamentos essenciais” da OMS; os seus criadores ganharam o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2015.

10. Kyle Rittenhouse, o adolescente de Illinois que disparou contra três homens num protesto em Kenosha (Wisconsin), foi repetidamente chamado de “supremacista branco” que transportava ilegalmente uma arma pelas fronteiras estaduais. No entanto, o que quer que se pense das acções de Rittenhouse, os investigadores não puderam demonstrar a primeira acusação e as provas no julgamento refutaram claramente a última. Ele pode processar por difamação.

Esta desinformação profundamente divisiva não foi resultado de erros aleatórios ou ocasionais; surgiu de uma media “mainstream” muito interessada em assumir o pior daqueles com quem discorda, mesmo em áreas voláteis como a agitação racial, as eleições presidenciais, a segurança nacional e uma pandemia global. É claro que muitas organizações noticiosas acabaram por corrigir os seus artigos e fazer correcções. Mas o dano à sociedade e a indivíduos específicos estava feito. As notícias originais foram seguidas agressivamente por semanas, meses e até anos, e foram vistas e discutidas por dezenas de milhões de pessoas, dominando grande parte do diálogo nacional. As correcções são normalmente publicadas uma vez e discutidas o mais brevemente possível. Muitos americanos ainda acreditam nas versões originais.

Além disso, embora as alegações infundadas sobre eleições roubadas e a segurança de vacinas tenham sido visões minoritárias, justamente ridicularizadas desde os “talk shows” matinais até aos programas humorísticos nocturnos, as falsidades acima eram as visões maioritárias, e aqueles que as desafiavam publicamente corriam o risco de serem difamados, assediados, ostracizados, censurados, boicotados e/ou despedidos. Este óbvio desequilíbrio aumentou a desconfiança generalizada actual na media tradicional e nas instituições políticas, e ajuda a explicar porque as notícias falsas chegam a tantos ouvidos receptivos. A triste realidade é que, se a media “mainstream” insiste que algo é verdade, muitas pessoas agora são reflexivamente cépticas da mesma forma que muitas outras são cépticas em relação a qualquer coisa vinda da Fox News.

Facebook está a ser demasiado acusado pela desinformação
Perante esta situação, os decisores políticos devem procurar uma visão mais equilibrada das muitas causas da desinformação social. Ao contrariar a sabedoria convencional, é útil manter os seguintes cinco pontos em mente:

1. O Facebook não tem sido a fonte dos exemplos mais importantes de desinformação. Nem o medo das vacinas nem as falsas alegações de fraude eleitoral começaram com o Facebook, nem nenhuma das 10 notícias acima referidas. Embora a história de Sandman tenha sido estimulada por um vídeo na Internet, a verdadeira amplificação veio da media “mainstream”, e as alegações de fraude eleitoral vieram predominantemente do presidente Trump, cuja presença abrangeu todos os principais meios de comunicação.

2. A media “mainstream” ainda é muito mais influente como fonte de notícias do que o Facebook. A descoberta em 2021 pelo Pew Research Center de que 48% dos americanos “às vezes ou frequentemente recebem notícias” dos media sociais (apenas 19% com frequência, 29% às vezes) é frequentemente citada como prova da vasta influência do Facebook. Mas a grande maioria dos americanos continua a obter a maioria das suas notícias da televisão, rádio e imprensa nas suas versões tradicionais ou online.

3. Muitos dos críticos do Facebook nos media têm um conflito de interesses fundamental. O tempo que os consumidores gastam no Facebook atrai milhões de dólares em publicidade que antes eram destinados às empresas de media tradicional, enquanto o Facebook e outros serviços online também fornecem acesso a um conjunto muito mais amplo de informações concorrentes (por exemplo, blogues, podcasts, vídeos, etc.). Assim, muitas vezes, é do interesse de editores e redes de televisão manchar a imagem do Facebook e apoiar os esforços para conter a sua influência. De facto, um título alternativo para este texto poderia facilmente ser: “A velha media concorda: a nova media é o problema”.

4. Usar dados para dar aos consumidores mais do que eles gostam é o que as empresas de media fazem. Seja MSNBC vs. Fox News, The Atlantic vs. The National Review ou inúmeras revistas, sites, blogues e contas individuais de media social, todos registam o que os leitores fazem. O facto de o Facebook depender mais de algoritmos significa apenas que usa ferramentas automatizadas em vez de grupos de foco tradicionais, inquéritos a leitores, visualizações de páginas, “clickbait”, gostos, partilhas e sensibilidade editorial. O objectivo de aumentar o engajamento é o mesmo.

5. Nenhuma empresa é capaz de ser um efectivo “árbitro da verdade”. Enquanto o Facebook é parcialmente como uma companhia telefónica e noutra parte como uma empresa de media, é fundamentalmente muito mais o primeiro caso. O Facebook deve bloquear discursos que também sejam ilegais ou claramente problemáticos offline – assédio, ameaças, fraude, terrorismo, incitação directa, pornografia infantil, etc. Estar simplesmente “errado” não está entre essas ilegalidades, e há muitos exemplos de algo sendo considerado verdadeiro hoje, mas falso amanhã, ou vice-versa. Nos casos em que a informação é altamente duvidosa e envolvem saúde ou segurança pública, seria melhor a empresa usar algum tipo de sistema de classificação (“rating”). Mas sair do negócio da censura significa reconhecer – pelo menos tacitamente – que suspender a conta do presidente Trump no Facebook e limitar a partilha da notícia do computador de Hunter Biden foram erros graves.

Entre 46 nações pesquisadas recentemente pela Reuters, os Estados Unidos ficaram em último lugar em confiança nos media. Apenas 29% dos americanos concordaram com a afirmação “Acho que se pode confiar na maioria das notícias a maior parte do tempo”. A maioria dos meios “mainstream” de comunicação – jornais, revistas, rádio e televisão – e muitos decisores políticos dos EUA gostam de culpar o presidente Trump, a Fox News e os media sociais, mas a própria media convencional também é uma parte significativa do problema. Os decisores políticos que desejam atribuir a culpa pela desinformação social (e regular a media social) precisam de examinar tanto os novos media quanto os antigos – sejam conservadores ou liberais. Colocar tanto foco num tipo de media ou numa empresa em particular é injusto e injustificado.
* Texto de David Moschella publicado pela ITIF (CC). Fotos por visualpun.ch ( CC BY-SA 2.0).