Keyser Söze é o principal antagonista no clássico filme de Bryan Singer, “The Usual Suspects” (Os Suspeitos do Costume), de 1995. No filme, Keyzer Söze é descrito como um senhor do crime com um estatuto lendário e mítico no que diz respeito à brutalidade e ao impacto. Temido por criminosos e polícias e sempre capaz de escapar dos tribunais, o personagem nunca é visto no filme e só é descrito por meio de flashbacks do vigarista Roger Kint sob interrogatório policial. O filme deixa em aberto para o espectador decidir se o senhor do crime é de facto real ou apenas uma lenda urbana. Como o personagem Roger Kint coloca no filme: “O maior truque que o Diabo já fez foi convencer o mundo de que não existia”.
26 anos após o lançamento do filme, os tribunais dinamarqueses podem finalmente ter alcançado Keyser Söze. Pelo menos o personagem desempenha um papel central numa decisão de Novembro de 2021 do Supremo Tribunal Marítimo e Comercial dinamarquês.
O processo dizia respeito à protecção da marca “Kejser Sausage”, utilizada para um espaço de “cachorro-quente gourmet” em Copenhaga. O processo foi motivado por um outro restaurante na cidade, que escolheu usar o nome “Keyser Social”. Para o leitor atento, as duas partes inspiraram-se obviamente no personagem Keyser Söze na altura de escolher os nomes dos seus respectivos negócios.
O tribunal considerou que, por um lado, a primeira parte dos dois nomes Kejser e Keyser tinha semelhanças visuais significativas, apesar das diferenças do uso de “j” e “y”, respectivamente. Por outro lado, o tribunal concluiu que as segundas partes Salsicha e Social eram significativamente diferentes entre si e sem qualquer ligação concebível. Em conclusão, o tribunal não encontrou risco de confusão. Por outras palavras, “Keyser Social” não infringia os direitos da “Kejser Sausage”.
A inspiração óbvia e mútua por trás dos dois nomes não abalou o tribunal. Na sua decisão, observou concisamente que o personagem Keyser Söze, de “The Usual Suspects”, inspirou ambas as partes. No entanto, o tribunal não concluiu que essa inspiração mútua a partir do mesmo personagem do filme deixava uma impressão imediata e claramente reconhecível nos nomes. Esse personagem evasivo faz lembrar alguma coisa do filme? Não estamos totalmente convencidos desta parte dos fundamentos e a decisão dá origem a algumas considerações sobre propriedade intelectual (PI) e personagens e nomes fictícios.
A protecção de Keyser Söze, se é que há?
Como mencionado, Keyser Söze é o personagem principal de “The Usual Suspects”.
No que diz respeito ao direito das marcas, é possível registar nomes de personagens fictícios como marcas. Exemplos bem conhecidos são Astérix, Harry Potter, Indiana Jones, James Bond e Pippi das Meias Altas, registados tipicamente pelos produtores de filmes ou pelos editores dos referidos personagens.
Além disso, a protecção dos direitos autorais está, em geral, disponível para personagens de ficção, desde que o requisito da originalidade seja atendido. Os exemplos são numerosos, e.g. Batman e Mickey Mouse. A dicotomia ideia/expressão é decisiva neste sentido e os personagens ficcionados com aparência visual atendem imediatamente à exigência de originalidade, enquando os personagens de ficção apenas descritos literariamente são mais desafiados. Keyser Söze pertence claramente a este último grupo. Para uma análise mais profunda, veja-se o “Katpost” de Eleonora Rosati.
Ao aplicar isto à avaliação da protecção de direitos autorais do personagem Keyser Söze como apenas literário descrito através do diálogo entre os actores e nunca aparecendo visualmente no filme, é tentador argumentar que o personagem Keyser Söze é meramente uma ideia em vez de uma expressão e portanto, não é um personagem protegido por direitos autorais. Isso também é corroborado pelo facto de que o nome Keyser Söze posteriormente – na cultura popular – se tornou uma expressão geral para uma figura temida que nunca ninguém conheceu.
Esta posição é talvez apoiada pela decisão do Tribunal de Recursos do Nono Circuito descrita e analisada por Thomas Key. O tribunal decidiu que os personagens da série de TV “The Moodsters” não estavam sujeitos à protecção de direitos autorais. Os Moodsters eram cinco personagens codificados por cores que representavam cinco emoções diferentes feitas para crianças. O caso foi movido contra a The Walt Disney Company, alegando que o filme “Inside Out” infringia os direitos autorais da criadora dos Moodsters, Denise Daniels. O filme “Inside Out” tinha cinco personagens que representavam cinco emoções diferentes. Antes de a Disney lançar o filme em 2015, Daniels apresentou os personagens de “The Moodsters” à Disney em várias ocasiões e pela primeira vez em 2005. O tribunal rejeitou a reivindicação de direitos autorais alegando que os personagens de “The Moodsters” não se qualificavam para a protecção de direitos autorais. O tribunal argumentou que o trabalho de expressão criativa constituiu uma ideia e não uma obra passível de protecção. O conceito de várias cores que representam emoções específicas falhou na protecção dos direitos autorais devido à falta de originalidade e de distinguibilidade.
Comentário
A inspiração clara de Keyser Söze não teve um impacto decisivo nas duas marcas em conflito “Kejser Sausage” e “Keyser Social”, mesmo apesar do facto de que causou naturalmente semelhanças óbvias entre as duas marcas. Pode-se apenas concluir que Keyser Söze conseguiu mais uma vez iludir os tribunais.
Artigo original de Jakob Plesner Mathiasen e Hanne Kirk/The IPKat (CC BY-NC 4.0).