Já se questionou como a sua presença online pode afectar a sua capacidade de obter crédito bancário?
Enquanto se compra, conversa ou lê as notícias online, deixa-se um rasto de dados: tweets, textos, fotos, o número de vezes que se consulta um site médico, inscrição num curso de línguas ou a reserva de uma passagem de avião.
Algumas empresas existem com o único propósito de recolher todos esses dados que se deixam online e, em seguida, vendê-los a quem paga. Essas empresas são chamadas de “data brokers” (ou corretores de dados).
Elas seguem o utilizador conforme ele vai de um site para outro e armazenam todas as informações que se deixam para trás. Por si só, cada ponto de dados diz muito pouco. Mas quando se combinam todas essas informações, de repente torna-se possível obter “insights” sobre as crenças políticas, religião, sexo, preferências sexuais, situação financeira e até mesmo se se está prestes a casar ou se deseja engravidar. E é exactamente isso o que acontece: os corretores de dados usam as informações que recolhem para construir perfis extensos, embora muitas vezes incorrectos.
Como é que isso pode afectar as finanças pessoais?
Quer um empréstimo? O banco gostaria de saber qual a probabilidade de você reembolsar esse empréstimo. Parece justo mas como é que ele decide isso?
Nalguns países, os responsáveis pelos empréstimos só podem ver a pontuação de crédito (“credit score”) oficial, baseada no histórico financeiro: quanto dinheiro se tem na conta bancária, se existem empréstimos pendentes e assim por diante. O “credit score” não é perfeito mas, pelo menos, é baseado em informações relevantes para a questão: se se pode pagar o empréstimo.
Mas e se não se tiver um extenso histórico financeiro ou morar num país sem regras claras sobre como o “credit score” pode ser calculado?
Nesses casos, a pontuação de crédito pode basear-se em praticamente qualquer coisa. O que se coloca nas redes sociais, se houve uma consulta médica recente ou se se mora num bairro rico. De repente, o histórico de pesquisas mais recente do Google ou o último conteúdo no TikTok podem influenciar se se pode obter esse empréstimo.
E como os fornecedores de crédito obtêm essas informações pessoais? Exactamente, pelos corretores de dados.
Isto não é hipotético – há apps para empréstimos na Índia que fazem exactamente isto.
Mesmo que se tenha cuidado com o que se coloca nas redes sociais, pode não ser o suficiente. Nem tudo sobre uma pessoa está correcto online, assim como não estão os dados recolhidos pelos “data brokers”. Eles podem ter encontrado um texto de alguém com o mesmo nome e presumir que era você. Ou alguém pode ter dito algo sobre si online que não era verdade. Infelizmente, não sabe disso provavelmente e não pode corrigir esses erros.
E só piora. Muitas dessas decisões são tomadas por máquinas que usam algoritmos complicados para decidir se é ou não elegível para um empréstimo. É tão complexo que muitas vezes é impossível para um humano entender como se chegou a uma decisão. O que significa que é difícil saber se a decisão foi justa e baseada em informações relevantes.
A natureza complicada desses algoritmos significa que é fácil para o preconceito ou a discriminação directa se infiltrarem e permanecerem ocultos. Em muitos países, é ilegal discriminar com base em características como raça, idade, sexo ou religião. Mas as empresas podem (e fazem) discretamente a discriminação, usando “proxies” para essas características. Por exemplo, a escolha de uma plataforma de media social revela muito sobre a idade.
Finalmente, se um algoritmo decidir que você não é elegível para um empréstimo, essa informação também é armazenada e ser rejeitado para um empréstimo pode diminuir o “credit score”, reduzindo assim as hipóteses de obter um empréstimo no futuro.
Para recapitular: mesmo quando o seu comportamento online é exemplar (seja lá o que isso queira dizer), os fornecedores de empréstimos podem tomar uma decisão com base em dados imprecisos que compraram a corretores de dados. Os seus algoritmos podem ser tendenciosos contra alguém obter um empréstimo com base na idade, sexo ou cor de pele. E se negarem um empréstimo, isso pode dificultar a obtenção de um outro empréstimo no futuro.
O que se pode fazer em relação à isso?
Comece por pesquisar e conhecer os seus direitos.
O modo como o valor do crédito é calculado varia drasticamente de acordo com o local. Países como os EUA têm leis que determinam no que as pontuações de crédito se podem basear. Nalguns países, há o direito a ter os dados pessoais protegidos contra vendas não autorizadas a terceiros. Ou ter o direito de inspeccionar quais os dados que um “data broker” guarda sobre si. Se um algoritmo decidiu negar-lhe um empréstimo, nalguns países tem o direito de saber como a máquina chegou a essa decisão. Conhecer os seus direitos e com quem entrar em contacto em caso de violação pode ajudá-lo a recorrer de decisões com as quais discorda.
[Em Portugal, foi recentemente aprovada uma lei que “reconhece o direito ao esquecimento a pessoas que tenham superado situações de saúde de risco agravado e garante-lhes a igualdade de direitos e a não-discriminação no âmbito dos contratos de crédito e de seguro“.]
Mas e se os seus direitos não estiverem bem protegidos no país em que vive? Muitas organizações em todo o mundo estão a trabalhar para alterar essa situação. Os exemplos incluem a AccessNow, que funciona globalmente, assim como a Privacy International e a Mozilla. Todas têm campanhas frequentes nas quais pode participar ou petições que pode assinar. Outros exemplos incluem a Electronic Frontier Foundation nos EUA, a EDRi na Europa, a CIPESA na África Oriental e Austral ou a Derechos Digitales na América Latina.
Artigo de Anouk Ruhaak, Mozilla Fellow in Residence, publicado pela Mozilla Foundation (CC).