Os Emirados Árabes Unidos (EAU) estão a provocar a queda de chuva através de métodos artificiais.
Com temperaturas a atingirem os 50 graus Celsius, o Centro Nacional Meteorológico dos EAU tenta aumentar a precipitação na região, que atinge apenas uma média anual de 78 milímetros. Por comparação, Portugal atinge os 854 mm (dados de 2017).
Segundo o diário Independent, “os EAU investiram 15 milhões de dólares em nove diferentes projectos de chuva artificial em 2017”. Um deles recorre a drones para lançar cargas eléctricas nas nuvens e assim obter chuva.
O UAE Research Program for Rain Enhancement Science tem actualmente a decorrer uma nova ronda de financiamento para projectos.
Apesar do uso de novas tecnologias como os drones, este tipo de ideias para conseguir chuva de forma artificial é usado há mais de 70 anos em diferentes países, como refere este artigo de 2006* intitulado “Os manda-chuva“:
O Governo chinês assegura que as condições meteorológicas serão boas durante os Jogos Olímpicos de 2008. Na Federação Russa, os grandes eventos são marcados pela ausência de precipitação, mesmo se chove por perto.
Em ambos os casos, a culpa não é da natureza mas do homem, que ao longo dos últimos 50 anos tem tentado modificar as condições atmosféricas naturais, nomeadamente com a criação de chuva artificial. Para isso, usam-se agentes químicos, lançados da terra ou de aviões, que ajudam à formação de gotas de água nas nuvens e modificam os processos internos da precipitação, de queda de granizo ou dispersão do nevoeiro.
As organizações ecológicas garantem que estas actividades não são perigosas porque se usam pequenas doses desses agentes. As aplicações são variadas e incluem os aeroportos, para afastar o nevoeiro, ou as estâncias de esqui onde se provoca a queda de neve. Mas não só.
Em Abril, as autoridades chinesas provocaram chuva artificial para limpar os estragos de uma enorme tempestade de areia vinda do deserto de Gobi que caiu em Pequim. Segundo a agência noticiosa oficial, isso foi repetido no início de Maio quando técnicos do Weather Modification Office (departamento para as alterações meteorológicas) dispararam alguns “rockets” com cartuchos de iodeto de prata para os céus da capital chinesa. Em tempo de seca e em zonas fustigadas por tempestades de areia, o resultado foi a “maior chuvada do ano”.
Dois meses depois, ainda na China, a “inseminação das nuvens” foi igualmente usada para apagar três enormes fogos no Norte do país. Para 2008, o país organizador dos Jogos Olímpicos promete usar a mesma tecnologia para obter alguma chuva e garantir a limpeza dos céus poluídos.
Nos últimos cinco anos, a Força Aérea chinesa realizou mais de 3.000 voos deste tipo, tornando o país um dos maiores fabricantes da chuva artificial. João Corte-Real, da Universidade de Évora, afirma que “nenhum país lidera” a investigação nesta área. mas, como explicou por “e-mail” Boris Koloskov, director da Agência de Tecnologias Atmosféricas (Attex) do Serviço Federal de Hidrometeorologia e Monitorização Ambiental (Roshydromet), em Moscovo, e um dos responsáveis pela primeira experiência em Portugal para a criação de chuva artificial, actualmente, “os líderes no campo da modificação meteorológica são a Rússia, EUA, França e África do Sul”, embora “os investigadores chineses tenham tido um grande financiamento nos últimos anos e é possível que no futuro capitalizem os resultados”.
URSS: da agricultura a Chernobil, dos festejos aos projectos internacionais
A investigação russa sobre a inseminação das nuvens começou nos anos 50 na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e visava aumentar a precipitação para a agricultura.
Uma aplicação mais extrema ocorreu em Abril de 1986, após o desastre no reactor nuclear de Chernobil, quando foi usada até ao final desse ano para evitar a chuva e que as partículas radioactivas fossem levadas para um afluente do rio Dnipro, que passa por Kiev.
Outras intervenções têm uma vertente mais lúdica. Em 1997, Moscovo comemorou os 850 anos e realizaram-se mais de 20 voos deste tipo. Mais a norte, em 2003, na comemoração dos 300 anos de São Petersburgo, a chuva foi igualmente afastada dos festejos. Nesta cidade, onde decorreu em Julho a cimeira do G8, o presidente russo Putin declarou que ia enviar a chuva para a Finlândia, mas nem tudo correu bem apesar de “os aviões do presidente Lushkov [estarem] a bombardear as nuvens”, como confirmaram cidadãos ao correspondente do diário espanhol La Vanguardia.
Yuri Lushkov é o presidente da Câmara de Moscovo e um crítico atento da meteorologia. No ano passado, ameaçou mesmo multar os meteorologistas que fizessem previsões incorrectas. Alexei Lyakhov, director do instituto meteorológico local, respondeu que 94% das previsões eram correctas. Mas o nome do autarca surge com alguma razão, porque “os aviões usados nos trabalhos de meteo-protecção são alugados à aviação militar e civil russa”, explica Koloskov. Aliás, esse é o maior custo deste tipo de experiências, pelo que só trabalham “sob contrato e isso significa que há clientes que gostam de melhorar o tempo durante eventos comemorativos ou desportivos”.
É o caso de Moscovo. No ano passado, durante a comemoração do aniversário da cidade a 4 de Setembro, o Ministério da Meteorologia tinha um plano de acção que previa “fazer descolar um avião de caça às nuvens todas as horas, a partir das sete horas da manhã”, explicou Koloskov ao diário francês Libération.
“Cada avião ficará oito horas em voo, aterrará durante uma hora para reabastecer, depois partirá para oito horas de voo até à meia-noite”, especificou. “Estão previstas chuvas à noite: é preciso assegurar que o ‘show laser’ se desenrolará [com tempo] seco para que os espectadores tenham tempo de regressar a casa sem se molharem”, acrescentou o director da Attex.
As nuvens foram “caçadas” a 150 quilómetros a nordeste, onde foi provocada a chuva que não atingiu Moscovo. O custo da operação atingiu os 143 mil euros mas o valor de qualquer operação deste tipo depende do número de aviões usados.
No dia da independência da Rússia, a 12 de Junho, o governo moscovita procurou novamente a Attex para melhorar o tempo. Esta contratou nove aviões da Força Aérea russa e um da empresa de aviação NPO para evitar problemas chuvosos derivados de uma frente fria proveniente do mar Báltico a velocidades entre os 40 e 60 quilómetros por hora.
Os 14 voos foram efectuados entre as 8h00 e as 23h00 e, “apesar das complexas condições meteorológicas, a precipitação foi evitada”, lê-se num relatório.
Os conhecimentos russos têm sido partilhados com outros países. O Vietname iniciou estudos com os investigadores russos, mas só prevê ter resultados no virar da década. “A longo prazo, uma medida estável e efectiva será criar chuva artificial”, afirmava Nguyen Duy Chinh, responsável do Instituto Hidrometeorológico vietnamina, em 2004, um ano de particular seca no país. “É muito difícil criar chuva artificial” porque “requer muitos estudos e cálculos sobre vento, nuvens e humidade” e “custa uma fortuna”.
A Rússia tem igualmente ajudado países como Portugal, Itália (1998 e 2004), Síria, Irão (desde 1998) ou Cuba. Neste caso, os resultados entre 1985 e 1990 foram publicados no Journal of Applied Meteorology, no final de 1995, por uma equipa russa liderada por Koloskov e outra do Instituto de Meteorologia cubano. Após centenas de experiências e tendo em conta a altura e o tipo de nuvens, foi possível provocar chuva.
O responsável do Attex desloca-se este mês a Cuba para continuar as experiências. A agência mantém apenas mais um outro projecto, no Irão.
Falta de provas desde 1946
Curiosamente, a investigação sobre a chuva artificial iniciou-se por acaso há 60 anos nos Estados Unidos. Tudo começou em 1946, quando, nos laboratórios da General Electric em Nova Iorque, Vincent Schaefer estudava a criação de nuvens artificiais numa câmara gelada e observou a possibilidade de converter gotas geladas de água em cristais de gelo. Os testes na atmosfera começaram quatro anos depois.
Apesar de os defensores da técnica reclamarem os benefícios deste tipo de intervenção, a National Academy of Science (NAS) publicou em 2003 o relatório “Critical Issues in Weather Modification Research” onde conclui que “há amplas provas” de que ela “pode modificar o desenvolvimento da nuvem e a precipitação”. “No entanto”, acrescenta-se no relatório, “os cientistas não são ainda capazes de confirmar que essas mudanças induzidas resultem em mudanças verificáveis [e] repetíveis na chuva, queda de granizo e neve.” Ou seja, não se duvida dos conceitos teóricos e de alguns resultados mas não o suficiente para se poder falar em validade científica.
As conclusões do relatório repetiam as de um outro estudo de 1964, onde se consideravam prematuras as modificações do estado atmosférico em larga escala ou que a escala de tempo requerida para o sucesso só podia ser medida em décadas. Mas, salientava a NAS quase 40 anos depois, isso seria difícil por causa dos cortes “dramáticos” no financiamento governamental e consequente abandono de cientistas deste tipo de investigação.
Também a American Meteorological Society sustenta que a chuva artificial é “um enorme negócio”, mas “os estudos para avaliar a efectividade do método, pelo menos em larga escala, não têm sido convincentes”.
“Não é uma questão fácil”, esclarece Koloskov, “e a comunidade científica até agora não teve uma opinião inequívoca sobre a utilização prática da “inseminação das nuvens” para o aumento artificial da precipitação”.
Enxofre contra o aquecimento global
Se o homem pode intervir na criação de chuva artificial, por que não modificar outras condicionantes atmosféricas que afectam a Terra? Uma proposta recente defende essa posição, mas só em caso de emergência.
Paul Crutzen propõe que se diminua o aquecimento global disparando partículas de enxofre para a estratosfera. Prémio Nobel e investigador do Instituto Max Planck para a Química, na Alemanha, e da Scripps Institution of Oceanography da Universidade da Califórnia, Crutzen revelou a sua proposta na última edição da revista Climatic Change.
O enxofre seria levado em balões para a estratosfera, a segunda camada atmosférica próxima da Terra, e aí rebentados a partir de disparos de artilharia, activando alterações de temperaturas no semestre seguinte.
As partículas de enxofre reflectem a luz do Sol para o espaço, o suficiente para baixar a temperatura na Terra durante uns anos.
A investigação de Crutzen parte das observações efectuadas em 1991 na erupção do monte Pinatubo, em que foram libertadas enormes quantidades de enxofre e que podem ter feito baixar a temperatura na Terra em 0,5 graus Celsius no ano seguinte.
Ele afirma que a ideia merece “séria consideração”. No entanto, seria uma medida de emergência necessária, se os governos não adoptarem outras no combate ao aquecimento global e “não deve ser usada para justificar políticas climáticas inadequadas mas apenas para criar uma possibilidade de combater um aquecimento climático potencialmente drástico”, afirma.
* Pedro Fonseca, Público, 1 de Outubro de 2006
Em caso de necessidade, deixo ficar a ficha de dados de segurança relativa ao Iodeto de Prata: https://www.carlroth.com/downloads/sdb/pt/6/SDB_6630_PT_PT.pdf