Todos já o experimentaram. Enquanto se procura por informações online, encontra-se finalmente uma manchete que parece fornecer as respostas exactas às perguntas que se está ansioso para saber. Com entusiasmo, clica-se na ligação e começa-se a ler mas, antes de terminar as primeiras linhas – Pop! -, um acesso pago impede a leitura do resto do artigo e é-se forçado a pagar um valor pelo acesso total ou a abandonar o site e continuar a pesquisa noutro lugar. Embora isto possa parecer apenas um inconveniente trivial, a ética dos acessos pagos a notícias vai muito para lá de simples chatices.

Por volta do início da década de 1990, ter um computador tornou-se comum para muitas famílias americanas. Para acompanhar os tempos, os maiores meios de comunicação começaram a criar sites onde os leitores podiam aceder a notícias na Internet, além dos jornais tradicionalmente impressos. No início, essas empresas ficaram felizes por fazer parte do cenário digital, mas rapidamente a rentabilidade tornou-se um problema. Como a informação estava agora disponível gratuitamente no conforto da própria casa, muitos consumidores pararam de sair para comprar jornais e, consequentemente, os meios de comunicação tiveram grandes quebras nos lucros. Fóruns online como o Craigslist também captaram uma grande fatia das receitas dos anúncios classificados que tradicionalmente sustentavam os jornais. Para compensar essas perdas nos media impressos, as empresas de notícias online viraram-se para a publicidade digital. Embora esse método tenha funcionado durante algum tempo, a experiência irritante de ser bombardeado por barulhentos “pop-ups” levou ao aumento de utilizadores que instalaram software de bloqueio de anúncios, o que “prejudicou seriamente a capacidade de tais sites de notícias de ganhar dinheiro com publicidade“.

Devido aos problemas em torno da publicidade digital, “os editores adoptaram um ‘pivô para os leitores ’e exploraram maneiras de gerar mais receitas [a partir do próprio público por meio de] assinaturas e quotizações” de membros – e assim nasceu o acesso pago (“paywall”). Em 1996, o The Wall Street Journal foi o primeiro a implementar uma “hard paywall”, que exigia aos leitores o pagamento de uma assinatura antecipadamente ou ficavam completamente impedidos de aceder aos artigos. Desde então, novos modelos de acesso pago “soft” foram desenvolvidos, como o popular “metered paywall”, em que os leitores recebem um número limitado de artigos gratuitos por mês antes de serem obrigados a pagar pelo acesso ao conteúdo do jornal. Independentemente do tipo de acesso pago, o resultado é o mesmo: os leitores têm de pagar directamente à empresa de comunicação social para ter acesso à informação. De acordo com o Reuters Institute, agora “mais de dois terços dos principais jornais (69%) em toda a União Europeia e nos EUA estão a operar algum tipo de acesso pago online, uma tendência que tem aumentado desde 2017, especialmente nos EUA, onde aumentou de 60% para 76%”.

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Conforme pretendido, os acessos pagos oferecem uma oportunidade para que os meios noticiosos tenham lucro sem depender da publicidade digital, o que resulta numa série de vantagens. Claramente, numa era em que os bloqueadores de anúncios afectam negativamente a receita publicitária, as “paywalls” podem ajudar os media a sobreviver numa economia de mercado livre. Isto é especialmente importante para as pequenas operações, uma vez que a receita de anúncios é normalmente concentrada entre alguns gigantes como o Facebook e a Google. Além do simples lucro, esses rendimentos também podem permitir que as empresas prosperem, já que dinheiro extra significa melhor remuneração para os jornalistas activos e actualizações de equipamentos que podem ajudar a criar novos e melhores conteúdos para os consumidores.

Além disso, o método de acesso pago deu aos fornecedores de media um novo sentido de independência. Como os anunciantes desejam que o maior número possível de pessoas vejam os seus anúncios, eles tendem a comprar apenas espaço em sites que geram muito tráfego na Web. Num esforço para cumprir as quotas de tráfego que irão impressionar os anunciantes e gerar receita para o negócio, alguns meios de comunicação social diminuíram a sua qualidade jornalística ao promover artigos sensacionalistas de “clickbait” que prometem atrair grandes audiências para o seu site. Implementar “paywalls” e contornar completamente o intermediário da publicidade digital pode reverter essa tendência. Como Sara Libby, editora-chefe do The Voice of San Diego, explica: “Há uma liberdade absoluta para cobrir os tipos de histórias que consideramos importantes porque não estamos em dívida com os anunciantes [ou] amarrados às visualizações de página. Obviamente, queremos que o nosso trabalho alcance o maior número de pessoas possível, mas não sentimos pressão para adicionar um título de Justin Bieber apenas pelo tráfego”.

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Apesar do argumento de que as “paywalls” produzem melhor jornalismo, também se pode argumentar que contribuem (talvez indirectamente) para a proliferação da desinformação online. Devido ao advento de sites como Facebook, Twitter e várias plataformas de blogues em que qualquer pessoa pode ser um produtor de conteúdo com relativo anonimato e facilidade, “fontes de notícias e agregadores gratuitos e menos confiáveis ​​podem enviar artigos… que se tornam virais em questão de segundos sejam totalmente verdadeiros, devidamente investigados ou não”. Isto permite que notícias falsas se espalhem rapidamente e com pouca dificuldade, enquanto as notícias reais ficam presas atrás das “paywalls”.

Embora alguns tenham posicionado este problema como uma questão de escolha pessoal, que pode ser facilmente superada pelos consumidores “pagando” e “gastando alguns centavos” para ter acesso a notícias reais de alta qualidade, a realidade pode não ser tão simples. Estudos têm mostrado que “as pessoas que pagam por notícias nos EUA são mais ricas e melhor educadas do que aquelas que não pagam”. Assim, “colocar um acesso pago às notícias pode causar assimetrias completamente inaceitáveis ​​na qualidade das notícias acessíveis a pessoas com diferentes circunstâncias financeiras… [o que vai] contra todos os princípios imagináveis ​​de democracia”. Ao ocultar o conteúdo atrás de uma “paywall”, aqueles que não podem pagar uma assinatura são impedidos de aceder a informações que podem afectar as suas vidas, deixando os já desfavorecidos na sociedade ainda em pior situação, pois estão presos a fontes de notícias não confiáveis ​​como suas únicas fontes. Desta forma, “o acesso pago está inerentemente em conflito com o objectivo principal do jornalismo: educar e informar o público sobre questões importantes“.

Embora os acessos pagos tenham o potencial de libertar os meios de comunicação social da tirania dos anunciantes, mantendo-os no negócio e salvaguardando a sua integridade jornalística, essa produção de notícias de alta qualidade pode ser inútil se apenas uma pequena percentagem da sociedade tiver o privilégio de lhe aceder. No final, a ética das “paywalls” pode resumir-se à diferença entre o que é bom para os negócios e o que é bom para a sociedade. Como Mannal Babar questiona de maneira pungente: “Devemos perguntar-nos, como jornalistas e criadores de conteúdos, se a solvência financeira é mais importante do que a verdade que procuramos… Mas existe um futuro para o jornalismo que não venha à custa da informação pública e das notícias?”

* Artigo de Kat Williams e Scott R. Stroud, publicado no Center for Media Engagement (CC). Foto: Manoj Jacob (CC).