As grandes empresas de tecnologia trazem bastante tráfego para os meios de comunicação, mas ficam com uma fatia desproporcional dos lucros. E mesmo quando são assinados acordos, é a Big Tech que define as regras.

A dependência cada vez maior da indústria dos media das receita da publicidade digital vê as duas empresas que dominam o mercado, Google e Facebook, a ditar o destino e a direcção do jornalismo. Os gigantes da Big Tech lucram com o trabalho dos editores, mas ficam com uma fatia desproporcional dos lucros, prejudicando particularmente as pequenas e médias empresas.

Uma análise aos dados de tráfego da Web de seis das maiores editoras do Reino Unido detectou que mais de um terço das suas visitas vieram de fontes da Google e do Facebook. Os sites do The Independent, The Sun, The Times, The Daily Mail, The Telegraph, Reach PLC, Sky e Vice dependeram do Google em 25% e 26% das suas visitas em 2018 e 2019, respectivamente, enquanto o Facebook foi responsável por 10% e 13% das suas visualizações.

Esta crescente dependência das receitas da publicidade digital foi destacada num momento decisivo por um dos títulos mais conhecidos do mundo.

No segundo trimestre de 2020, o New York Times anunciou que, pela primeira vez, a receita digital ultrapassou a receita do jornal impresso. As assinaturas digitais tiveram um aumento de 30%, para 146 milhões de dólares, em comparação com 147 milhões em vendas de assinaturas para o jornal em papel. Em termos de receita de publicidade, o digital gerou 39,5 milhões de dólares, enquanto a publicidade impressa teve uma queda de 55%, para os 28 milhões.

“E não achamos provável voltar atrás a partir deste momento”, disse o CEO Mark Thompson.

Esta dependência da Google e do Facebook pelo dinheiro para anúncios online, que respondem por 54,1% desse mercado, só será exacerbada na mudança cada vez mais acelerada para o digital durante a pandemia.

No entanto, embora essas empresas possam de facto alegar que geram bastante tráfego para os meios de comunicação, elas ficam com uma fatia desproporcional dos ganhos.

Corte injusto das receitas de media pela Google
Um estudo da News Media Alliance descobriu que a Google ganhou 4,7 mil milhões de dólares a partir de conteúdo de notícias em 2018 que, embora respondam por apenas 4% das suas receitas totais naquele ano, equivaliam a 33% da receita total de publicidade gerada por toda a indústria jornalística. O estudo também menciona que entre 16 e 40% dos resultados de pesquisa no Google são notícias.

O Pew Research Center revelou que a receita total de publicidade para a indústria de jornais, impressa e digital, foi de 14,3 mil milhões de dólares em 2018.

Naquele mesmo ano, os registos financeiros da Alphabet mostraram que a publicidade do Google gerou 116 mil milhões para a empresa, 85% do valor das receitas totais da empresa .

E não há sinal de que os lucros com os anúncios do Google estejam a diminuir – os resultados financeiros da Alphabet no último trimestre de 2020 mostram que a empresa arrecadou 56,9 mil milhões de dólares em receitas, 46,2 mil milhões (ou 81,2%) dos quais vieram da publicidade pelo Google. É um aumento significativo em relação ao mesmo período de 2019, quando a publicidade no Google gerou para a empresa 37,9 mil milhões da sua receita total de 46 mil milhões de dólares.

A concentração da quota das receitas também continua a tornar-se cada vez mais dominada pela Big Tech – um relatório recente do Interactive Advertising Bureau mostrou que as dez principais empresas de publicidade online detinham 78,1% das receitas em 2020, perante 76,6% em 2019, que também representou um aumento de 75,9% em relação a 2018. Três gigantes da tecnologia são agora responsáveis por mais de 60% do mercado total de anúncios: Google (28,9%), Facebook (25,2%) e Amazon (10,3%).

Batalha legal europeia
Editores e legisladores europeus têm tentado uma distribuição mais justa das receitas dos gigantes da Big Tech há algum tempo, embora tenham descoberto que é mais fácil falar do que fazer.

Uma directiva de direitos de autor da União Europeia, conhecida pelo Artigo 11, considera que os editores têm direito a uma compensação quando a Google usa partes do texto de um meio de comunicação. Os editores afirmam que esses “snippets” eliminam geralmente a necessidade de os utilizadores clicarem nos artigos, fazendo com que percam visualizações e receitas vitais.

Quando a Alemanha tentou impor a sua variação a esta lei em 2013, no entanto, percebeu que não era tão simples. Mesmo os grandes editores tiveram que se curvar ao gigante da tecnologia pouco depois de abandonar o Google News, incluindo o maior editor do país, a Axel Springer, que cedeu após o tráfego das pesquisas cair 40% e o tráfego do Google News cair 80%. Em 2019, a Google venceu a batalha legal contra os editores alemães por causa dessas exigências de taxas.

Em resposta à Espanha, que tentou uma lei semelhante em 2014, a Google fechou o serviço Google News no país. Um estudo realizado pela NERA sobre este caso descobriu que a saída do Google News da Espanha causou uma queda geral de 6% no tráfego, enquanto uma redução de 14% foi observada em títulos mais pequenos.

Em 2019, o governo francês aprovou uma lei a exigir que a Google compensasse os meios de comunicação social pelo uso de excertos dos seus conteúdos nas suas páginas. Um acordo foi finalmente alcançado entre a Google e a Alliance de la presse d’information générale (APIG), um grupo de lobby que representa a maioria dos principais títulos franceses, que levou a gigante da tecnologia a pagar 76 milhões de dólares em três anos para 121 editoras de notícias francesas, mas ainda assim faz pouco para apaziguar os títulos com menores audiências.

O que tende a acontecer, como foi o caso da Alemanha e da França, é que a Google responda pagando um valor simbólico que afirmará ajudar a indústria, enquanto, como foi testemunhado até agora, só parece beneficiar as grandes editoras que mantêm a liderança nos seus respectivos “feeds”, enquanto os mais pequenos continuam a desaparecer no abismo online. Esse dinheiro, na realidade, acaba por ser nada mais do que um penso sobre as feridas de longo prazo que a Google está a causar a esta indústria.

O Facebook fez o mesmo na Austrália. Numa decisão sem precedentes, em Fevereiro de 2021 o Facebook bloqueou sites de notícias australianos na sua plataforma em resposta a uma disputa com o governo que tentou forçar a empresa a pagar aos canais de media pelos seus links para as notícias.

O Facebook, por sua vez, negociou acordos lucrativos com os principais meios de comunicação nos seus próprios termos. O maior destinatário desses acordos foi a News Corp de Rupert Murdoch, que detém 53,4% do mercado de jornais australianos, embora não se tenha comprometido com qualquer compensação para os títulos mais pequenos do país.

Depois, em Abril, uma investigação do Washington Monthly revelou que o Facebook, em pleno lançamento do Facebook News, estava a dar milhões de dólares directamente a gigantes dos media como o The New York Times, The Washington Post, The Wall Street Journal e Bloomberg, entre outros, para aparecerem favoravelmente no seu agregador de notícias.

Embora os pagamentos tenham sido estimados em cerca de 3 milhões de dólares para cada título, o que representa uma pequena proporção das suas receitas totais, isso, no entanto, aprofunda essa dependência que os meios de comunicação têm da Big Tech por dinheiro e, quanto mais aumenta, mais seriamente impedirá o escrutínio apropriado do funcionamento da Big Tech por parte de algumas das vozes mais influentes do jornalismo.

Este movimento elitista não é nada novo. A Google e o Facebook há muito que falam sobre a necessidade de apoiar “fontes confiáveis” – um termo brilhante para a media tradicional, desde as eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2016 e mais ainda desde o início da Covid-19.

À medida que os meios de comunicação ficam mais dependentes da Google e do Facebook, mais fácil se torna para a indústria de media como um todo ser mandada por essas empresas.

O financiamento de canais de media pela Google através da sua Digital News Initiative também beneficia os grandes meios mais do que os que estão a aparecer. Um estudo da Netzpolitik descobriu que, dos 115 milhões de euros que foram para projectos jornalísticos entre 2015 e 2018, 54% foram para títulos estabelecidos, enquanto uns escassos 10% foram para meios de comunicação sem fins lucrativos ou de serviço público.

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A Google tem moldado a direcção do jornalismo mais do que qualquer gigante da tecnologia ao longo dos anos, com várias iniciativas, das Accelerated Mobile Pages (AMP) a “reportagens originais” que, em última instância, servem para redireccionar mais tráfego para os seus próprios serviços, em vez de fornecer uma nivelação que permite a diversidade de opiniões e uma hipótese igual de gerar receitas para títulos de todos os tamanhos.

Em vez disso, ela evita tais noções e usa critérios vagos e selectivos para considerar a desinformação de alguns como facto e os factos de outros como desinformação, a fim de manter plena autoridade sobre a informação pública.

* Artigo do OBC Transeuropa/European Data Journalism Network (CC). Foto: Mathieu Stern.