A vigilância é, nos dias de hoje, um fenómeno global, resultante de uma sociedade também ela cada vez mais globalizada. Fenómeno amplamente difundido à escala mundial, é motivo e base de estudo de académicos de várias áreas, com vista ao entendimento da sua aplicabilidade nas sociedades contemporâneas, refere Tiago Vaz Estêvão no artigo “O Novo Paradigma da Vigilância na Sociedade Contemporânea – ‘Who Watches the Watchers’“, cuja conclusão se transcreve:
A sociedade ocidental atravessa atualmente momentos de transformação significativa. A crise nos mercados financeiros europeus e americanos, a “Primavera Árabe” no Médio Oriente (Egipto, Líbia e Iémen), e na Ásia Ocidental (Síria), a insegurança em território palestino, os conflitos separatistas no Cáucaso (Chechénia), a recente “anexação” da Crimeia ou a sempre premente ameaça nuclear proveniente de países como a Coreia do Norte, são exemplos da atual conjuntura internacional e do instável panorama geopolítico mundial. Este panorama é difundido massivamente pelos media, à escala mundial. A juntar a este panorama geopolítico de instabilidade, surgem acontecimentos como atentados terroristas ou massacres perpetrados por civis a civis com elevada cobertura mediática. Toda esta conjuntura é difusora de um sentimento generalizado de insegurança e de medo. Stanley Cohen define este sentimento intenso, expresso a uma população, como “Pânico Moral”.
Para Ulrich Beck, a sociedade contemporânea e a forma como vivemos depois do atentado do 11 de setembro de 2001, transformou-se numa “Sociedade de Risco”. O autor argumenta, que o sentimento intenso de insegurança e ameaça à ordem social (“Pânico Moral”) leva a construir “Estados-Nação de Vigilância”, a dinamizar políticas de supervisão e controlo e a pôr em causa liberdades democráticas.
A Vigilância pode-se considerar, assim o resultado do “Pânico Moral” que caracteriza a “Sociedade de Risco” em que vivemos atualmente. É assim uma forma de assegurar o Poder no sentido “foucaultniano” do conceito. [O conceito de “Poder” foi amplamente teorizado por autores como Michel Foucault que concebeu o conceito de panótico, vigente nas Teorias Modernas da Vigilância.]
A visão de confinamento no espaço, apresentada pelo Panótico de Foucault, levou a uma redefinição do conceito de vigilância, que caracteriza as Teorias Pós-Modernas da Vigilância. Estas teorias defendem que a vigilância não está confinada a um espaço fechado, que a sua propagação está disseminada no espaço físico (por exemplo através da videovigilância) e no espaço virtual (por exemplo através da Web 2.0).
A “Sociedade de Risco”, defendida por Ulrich Beck viabiliza e promove uma Sociedade Vigilante. Por outro lado, especula-se sobre eventuais sinais de desagregação dos modelos sociais vigentes ao longo do século XX e que levam ao colapso dos pilares tradicionais da sociedade, como a família e os modelos de democracia representativa (Manuel Castells e Gustavo Cardoso).
Ainda segundo os mesmos autores, talvez não esteja esta sociedade condenada à desintegração, mas sim se esteja perante um processo de rutura com um anterior paradigma de sociedade, levando ao surgimento de outro modelo, baseado numa estrutura social redefinida.Enquanto modelo de sociedade em transformação pode ter na Internet e nos media as suas ferramentas de socialização. Este novo paradigma de reconstrução social pressupõe um cada vez maior número de indivíduos, unidos em rede.
O Novo Paradigma da Vigilância tem o seu ponto máximo de atuação na Sociedade em Rede, nomeadamente nas redes sociais que envolvem a interação de biliões de pessoas à escala mundial. O surgimento da Web 2.0 na Internet originou uma multiplicidade de dinâmicas sociais, que encaram a fluidez na comunicação e a acessibilidade à informação como pontos-chave. O impacto da Web 2.0 na Sociedade em Rede é notório igualmente pela sua capacidade de tornar o indivíduo mutuamente consumidor e produtor de conteúdos (“prosumer”). Estas características inerentes à Web 2.0 são alvo de enorme atenção por parte de entidades governamentais e empresariais.
Perante um panorama de disseminação de políticas, métodos e instrumentos de vigilância na Sociedade em Rede, torna-se premente o desenvolvimento de Literacias de Vigilância. Fazendo uso do conceito desenvolvido por Thomas Levin, parece claro que é necessário desenvolver uma Literacia de Vigilância crítica e analítica, capaz de perceber a vigilância, as suas vantagens, as suas limitações e os seus riscos, nas suas mais variadas manifestações.
* Adaptação autorizada pelo autor. Foto: Ludovic Bertron (CC)