A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) ordenou ao Instituto Nacional de Estatística (INE) para suspender o envio de dados dos Censos “para os EUA ou outros países terceiros sem nível de protecção adequado”.
Na sua deliberação, emitida após “algumas queixas sobre as condições de recolha de dados do Censos através da Internet, a CNPD procedeu a uma rápida investigação, tendo concluído que o INE recorreu à empresa Cloudflare para a operacionalização do inquérito censitário, que prevê no seu contrato a transferência de dados pessoais para os EUA”.
Desta forma, a empresa “está directamente sujeita à legislação norte-americana de vigilância para fins de segurança nacional, a qual lhe impõe a obrigação legal de dar acesso irrestrito às autoridades dos EUA aos dados pessoais que tenha na sua posse ou à sua guarda ou custódia, sem que possa disso dar conhecimento aos seus clientes”.
A CNPD recorda que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronunciou relativamente a esta legislação, considerando-a “uma ingerência desproporcional nos direitos fundamentais dos titulares dos dados, à luz do Direito da União, não assegurando, por isso, um nível de proteção de dados essencialmente equivalente ao garantido na UE”.
A decisão judicial obriga as autoridades nacionais de protecção de dados, como a CNPD, “a suspender ou a proibir transferências de dados”. Embora essa obrigação não pareça existir relativamente aos dados clínicos das aplicações de rastreamento de contactos no combate ao Covid-19 e que enviam dados para a Apple e Google, neste caso a CNPD nota que “estão em causa dados pessoais de um universo quase total dos cidadãos residentes em território nacional, incluindo dados sensíveis como os relativos à religião ou à condição de saúde”.
Segundo disse o INE, “todos os dados provenientes da recolha dos Censos 2021 são alvo de validação e posterior tratamento, o que inclui a necessária anonimização de qualquer referência individual”. A instituição garantiu ainda que “a Cloudflare presta ao INE apenas serviços de desempenho e segurança”, e “não presta serviços de alojamento”, pelo que “não há alojamento de dados fora do INE, quer em geral, quer no caso dos Censos em particular”.
A decisão da Comissão surge após mais de metade dos alojamentos já ter respondido aos Censos 2021, apontando que as respostas são “relativas a mais de 6,5 milhões de pessoas, titulares de dados”. Em notícias desta terça-feira, aponta-se que o INE “recebeu mais de 2,4 milhões de respostas durante a primeira semana do período censitário que começou a 19 de Abril” relativas a “mais de cinco milhões de pessoas e a maioria (92%) foi dada através da Internet”.
Além da questão da manutenção, potencial transferência para os EUA e segurança dos dados pessoais, o processo do Censos tem sido criticado pela escassez na recolha de dados ou pela “invisibilidade das pessoas lésbicas, gay, bissexuais, ‘trans’ e intersexo“.
Para entender porque foram diminuídas as questões em vários desses domínios, há que recuar até ao anterior modelo de recenseamento exaustivo, porta-a-porta. Há 12 anos, o decreto-lei 226/2009 estabeleceu que os Censos de 2011 deviam ser “os últimos a realizar em Portugal com recurso ao modelo censitário tradicional. Para esse efeito, os dados recolhidos ao longo da sua execução constituirão a base que permitirá, futuramente, efectuar a transição para um novo modelo censitário, menos pesado, dispendioso e capaz de disponibilizar informação com periodicidade mais curta do que a decenal”.
O objectivo era recolher os dados por outros inquéritos de fontes administrativas e agregá-los para se ter o retrato do País. A CNPD foi chamada a pronunciar-se, em 2014, sobre este modelo distribuído por diversos serviços ministeriais, que foi aceite pela Comissão.
Em 2018, a Proposta de Lei 152/XIII acabou por autorizar o Governo a estabelecer as normas e as competências distribuídas para o XVI Recenseamento Geral da População e o VI Recenseamento Geral da Habitação (Censos 2021). Neste âmbito, e tendo já sido aprovado o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) em 2016, deviam ser removidos alguns limites do RGPD perante o processo censitário. Ao longo deste tempo, a CNPD pronunciou-se várias vezes sobre todo o processo.
[act.: Ministra diz que vai continuar a ser assegurada “a total proteção de dados” nos censos: A ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, garantiu esta quarta-feira que a segurança do ‘site’ dos censos não será afetada, indicando que vai continuar a ser assegurada “a total proteção de dados pessoais”.]