Não é um debate fácil, para mais quando está para breve a transposição de uma directiva europeia. As alegadas vitórias da imprensa na Austrália perante as grandes empresas tecnológicas dinamizaram a crença de o modelo destas multinacionais pagarem pelos conteúdos jornalísticos se poder replicar noutros continentes.

Do lado escuro de que não se fala em Portugal, mantém-se questões essenciais sem resposta: se o jornalismo é tão importante para a democracia, porque há cada vez mais encerramentos de títulos de imprensa, porque é a maioria dos jornalistas tão mal paga, como é que as empresas e os editores pensam viver financeiramento com o pagamento de empresas sobre as quais têm de escrever, quando evitam fazer algo semelhante com o Estado?

No dia 26 de Abril, o Público geriu o debate sobre algumas destas questões no evento online “Imprensa e direitos de autor: proteger e remunerar”.

A primeira frase do texto neste diário sobre o evento é exemplar da confusão que grassa com a circulação de conteúdos jornalísticos entre meios tradicionais e plataformas online: “Partilhar numa rede social um artigo lido no jornal, ou uma criação artística, é, muitas das vezes, um acto reflexo de quem quer simplesmente dar a conhecer a mais pessoas um tema que considerou interessante. Mas esse gesto aparentemente inocente contém vários perigos. Desde logo, os autores da notícia não são compensados pelo investimento nos meios humanos e financeiros para a produção daquele conteúdo. Depois, quem acaba por pagar a última factura é o meio de comunicação social, que fica sem o retorno pelo esforço feito, porque fazer jornalismo, tal como produzir uma obra de arte, tem custos”.

Deixando de lado a complexa questão deste suposto pagamento aos autores-jornalistas, como é que a partilha de um artigo de jornal numa rede social “contém vários perigos” quando é o próprio meio de comunicação social que o disponibiliza em acesso gratuito?

E como é que a partilha para fins educativos ou a cópia privada para um pequeno grupo de amigos ou família se diferencia do que antes era feito para esses mesmos fins com o jornal impresso, emprestado a amigos ou lido por vários familiares? Há duas visões legítimas para responder a isso.

Focado na “complexidade do combate à pirataria” dos conteúdos jornalísticos, João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa e da Visapress – Gestão de Conteúdos de Media, declarou que “muitas pessoas acham que difundir um artigo ou publicação nas redes sociais é legítimo, simplesmente porque o adquiriram”.

Em resumo, por comprar um jornal, essa cópia não é sua. Em causa está a perda da “propriedade pessoal na economia digital“. O que é adquirido online “não pertence” ao comprador.

Isto apesar da “utilização da cópia privada, ou para fins não comerciais, [ser] legal. A difusão pública, não”, como sintetizou Vítor Palmeira Fidalgo, docente da Faculdade de Direito de Lisboa e director jurídico da empresa de propriedade intelectual Inventa International.

Neste cenário, é crime a partilha pública das notícias diárias? Segundo o Código do Direito de Autor, “não constituem objecto de protecção (…) as notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgados”.

Tudo isto pode evoluir com a Directiva relativa aos Direitos de Autor no Mercado Único Digital, que deve ser transposta para a lei nacional até 7 de Junho. Uma síntese do que está em causa surgiu de um debate no ano passado da Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação e consta das “Realizações da APDSI no ano de 2020” (págs. 42 a 47).

A adaptação do direito de autor ao mundo digital passa por algumas das seguintes medidas:
– “As plataformas que permitem um acesso massivo a grandes quantidades de obras protegidas terão de obter a respectiva autorização.

– As plataformas com fins lucrativos, que promovem a divulgação de excertos de notícias, passarão a ter de obter também autorização prévia junto dos editores de imprensa.

– Cada país deve determinar o número de caracteres que cabem nos ‘snippets’.

– As relações com parceiros globais ou suprarregionais têm de encontrar as mesmas regras no mundo inteiro.

– O mercado mudou e implica uma nova legislação que crie um equilíbrio entre imprensa, rádio e televisão”.

O mercado mudou, realmente, e surgem novas oportunidades, aparentemente legais, como ser agregador ou curador de notícias (“clipping”) para clientes pessoais. Um exemplo: