Em 2019, a Google usou pela última vez o esquema fiscal conhecido por “double-Irish” para transferir 63 mil milhões de euros em lucros para fora da Irlanda.

Este acordo tributário, polémico, era usado pela empresa mas também por outras multinacionais como a Cisco, Pfizer, Merck, Coca-Cola e Facebook para evitar a taxa fiscal de 35% nos EUA.

O valor das transferências foi agora divulgado pelo Irish Times após a entrega ao Companies Registration Office dos documentos fiscais da empresa, na semana passada, referentes ao ano fiscal terminado a 30 de Setembro de 2020.

A Google Portugal entrega parte dos seus lucros à Google Ireland Holdings Unlimited Company. Esta foi constituída a 4 de Abril de 2003 mas tinha o seu domicílio fiscal registado nas Bermudas nesse ano, refere o jornal.

Os documentos mostram ainda que a Google Ireland é uma subsidiária da Google APAC Technology Pte, sediada em Singapura, que responde à casa-mãe Alphabet.

“A Google Ireland Holdings Unlimited entregou dividendos e outros pagamentos no valor de 75,4 mil milhões de dólares [63 mil milhões de euros] em 2019, perante os 22,9 mil milhões um ano antes. Desde o final de 2019, as suas principais actividades têm sido a de holding” e a empresa apenas “pagou 263 milhões de euros em impostos” na Irlanda, segundo a estação pública RTÉ.

A Google usou a falha fiscal irlandesa “para canalizar milhões em lucros globais através da Irlanda para as Bermudas, colocando-os efectivamente fora do alcance das autoridades fiscais dos EUA”. Aparentemente, o modelo era mais sofisticado e transitava da Irlanda para a Holanda e só depois para as Caraíbas, sendo conhecido por “Double Irish, Dutch sandwich” e motivado queixas na Europa.

As entidades adeptas do modelo basicamente “colocam a sua propriedade intelectual (PI) numa empresa registada na Irlanda que é controlada a partir de um paraíso fiscal como as Bermudas. A Irlanda considera a empresa como residente fiscal nas Bermudas, enquanto os Estados Unidos a consideram como residente fiscal” na Irlanda. Assim, quando os “royalties” relativos a PI “são enviados para a empresa, eles não são tributados – a menos que ou até que o dinheiro seja enviado para a casa-mãe nos EUA”.

O esquema fiscal foi abolido em 2015 para as novas empresas mas permitido às que o usavam continuar a fazê-lo até ao ano passado. Entretanto, a Google abandonou este modelo e consolidou a sua PI nos EUA em 2020.

Uma porta-voz da empresa disse ao jornal irlandês como, a partir de Dezembro de 2019, “simplificámos a nossa estrutura corporativa e começámos a licenciar a nossa PI nos Estados Unidos, não nas Bermudas”. E, incluindo todos os impostos na última década, “a nossa taxa fiscal efectiva global tem sido superior a 20%, com mais de 80% desse imposto devido nos EUA”.

Esse valor é corroborado pelo director-geral da Google Portugal: “como empresa, a nível internacional – e é importante as pessoas entenderem – pagamos qualquer coisa como 23% de imposto sobre os lucros. É maior que o IRC… a média que se paga em Portugal é de 21%”.

Na entrega de lucros obtidos no nosso país, “o negócio tem uma parte de taxação local e uma parte de taxação na Irlanda, que é onde se faz a facturação dos produtos vendidos em Portugal”, referiu Bernardo Correia em Novembro passado.