A culpa é dos videojogos. A principal razão apontada por uma investigadora é que os videojogos moldaram o perfil dos potenciais alunos das ciências da computação nos EUA.
Para Laëtitia Vitaud, “dizer que a história dos videojogos não inclui as mulheres seria um eufemismo”, até porque “o sexismo na ciência da computação está intimamente ligado ao da indústria de jogos. E vice versa”.
Esta analista do mercado laboral considera que “a extrema segregação de género em ambos os mundos é bastante recente. Até à década de 1980, havia muito mais mulheres na ciência da computação”, refere, ilustrando essa tendência com a série televisiva “Halt and Catch Fire“.
No início da década de 1980, as mulheres representavam cerca de 35% dos licenciados em ciência da computação – um pico de interesse que não se voltou a repetir e que actualmente está pelos 20%.
A razão para tal desinteresse, segundo escreveu Vitaud numa sua recente newsletter, pode estar relacionada com a publicidade dos videojogos, mais focada nos rapazes. Na realidade, o problema era anterior e já existia em campanhas sobre a computação nos anos 50 ou 60 do século passado.
Mas ele acentuou-se com as campanhas de publicidade da informática centrada nos homens, nota Elizabeth Ames, do Anita Borg Institute for Women in Technology. “Muitos dos primeiros computadores foram usados para jogar” e “esses jogos tendiam a ser mais voltados para rapazes e homens, pelo que era mais fácil para os rapazes ganharem uma vantagem através dos jogos”.
Ames exemplifica com a consola portátil GameBoy, da Nintendo, ou um anúncio ao computador pessoal da Apple, lembrando “que 73% dos homens usava um computador semanalmente, em comparação com 45% das mulheres”, num estudo de 1985.
Em 2017, refere, “quando os alunos chegam à universidade, 20% dos homens planeia seguir uma carreira em engenharia ou computação. Entre as mulheres, esse número é de apenas 5,8%”.
Quanto a terminar o curso, segundo dados oficiais, dos 32,439 licenciados no ano lectivo de 1983-84, pouco mais de 37% era do sexo feminino. Em 2017-18, baixou para 20% em 79,598 finalistas.
Um complexo de influências
Imputar a culpa ao marketing é, no entanto, apenas uma parte do problema.
Jane Margolis, Allan Fisher e Faye Miller, da School of Computer Science na Carnegie Mellon University (CMU, nos EUA) analisaram o problema dentro da sua universidade, o que culminou com a edição em Janeiro de 2000 de “The Anatomy of Interest: Women in Undergraduate Computer Science“.
Nesta questão, referem, há “um complexo de influências” e “embora algumas pessoas acreditem que é a natureza inerente da própria computação que afasta as mulheres, documentámos as expectativas sociais e culturais dentro da área que desencorajam as jovens e as mulheres”.
Para entender o fenómeno, este grupo realizou entrevistas com estudantes sobre a sua experiência anterior com a informática em casa e na escola; “depois, uma vez por semestre, foram entrevistados sobre experiências no programa, sentimentos e atitudes em relação ao estudo da computação”, além de outros dados adicionais. A amostra consistiu em 51 alunas e 46 alunos em ciências da computação da CMU.
A análise das interessadas “que antes estavam muito entusiasmadas, revela algumas das maneiras perniciosas em que o comportamento e os interesses masculinos se tornam os padrões para ‘o que é certo’ e o sucesso”, embora “muitas mulheres concluam que ‘simplesmente’ não estão interessadas” nestas áreas.
No entanto, este tipo de declaração é “um ponto final enganador para um processo complexo que vimos ao longo do tempo, envolvendo a interacção de normas de interesse com preconceito de género e a confiança desgastada”.
“O que está em jogo na experiência das mulheres enquanto universitárias é a composição da população criadora de tecnologia”, referem, porque embora o segmento feminino “possa usar a Internet para comunicação e a Web para recuperação de informações, são predominantemente homens (a maioria nos Estados Unidos sendo brancos e asiático-americanos) que estão a programar os computadores, concebendo e arranjando os sistemas e inventando a tecnologia que afectará todos os aspectos das nossas vidas”.
A sub-representação (de mulheres e de minorias) “tem graves consequências, não apenas para aqueles indivíduos cujo potencial não é realizado, mas também para uma sociedade cada vez mais moldada por essa tecnologia” – como se comprova com os algoritmos enviesados em termos de género.
Noitadas com deuses? Não, obrigada…
Na CMU, sem qualquer alteração no processo de admissão para as ciências da computação, as jovens subiram de sete em 96 alunos em 1995 para 54 em 130 cinco anos depois.
Os resultados mostram que “as alunas gostam da ‘pressa de fazer o meu programa funcionar’, o contexto e as ligações da computação com outras áreas geralmente tornam o estudo da ciência da computação mais significativo”, nomeadamente em áreas como a medicina, espaço ou artes.
As alunas interessam-se pela computação mas “a maioria também tende a ter uma infinidade de razões práticas e relacionadas para escolher o seu curso, como o desejo de um emprego seguro, a versatilidade das ciências da computação, encorajamento de outros e ser um campo emocionante em constante mudança”.
No entanto, embora “as mulheres descrevam o seu gosto em programar, a maioria compara-se a um membro da família do sexo masculino e nota que ele é quem ‘realmente gosta de computadores'”. Elas costumavam assistir enquanto o pai ou o irmão “jogava, consertava ou desmontava o computador”.
Esta vivência entre “deuses da programação” desencoraja as jovens e inibe-as de prosseguirem os estudos nesta área, acreditando que vão “ficar para trás e é desencorajador”.
Outros sinais passam por acreditar que “fazer noitadas” é sinal de “adorar os computadores e não o fazer é de alguém que não gosta”. Mas, como refere às investigadoras da CMU uma professora das ciências da computação que nunca teve de o fazer, “ficar acordado toda a noite fazendo algo é um sinal de obstinação e possivelmente de imaturidade, bem como de amor pelo tema. As raparigas podem mostrar o seu gosto por computadores e ciência da computação de maneiras muito diferentes. Se está à procura desse tipo de comportamento obsessivo, então está procurando um comportamento tipicamente jovem e masculino. Embora algumas garotas o exibam, a maioria não. Mas isso não significa que não gostem das ciências da computação!”
Isto, quando a programação começou por ser praticamente 100% “coisa de mulheres”… 😦