A indefinição sobre o que é “prontamente” está a dar resultados diferentes na Europa. Um novo relatório europeu para eventos em directo não ajuda a clarificar a situação.

Em Portugal, a directiva 2000/31/CE sobre o comércio electrónico, transposta para a lei 7/2004, responsabiliza os fornecedores de acesso à Internet (ISP) pelos conteúdos disponibilizados pelos utilizadores nos seus serviços online.

Entre os deveres dos ISPs, consta a obrigação “de cumprir prontamente as determinações destinadas a prevenir ou pôr termo a uma infracção, nomeadamente no sentido de remover ou impossibilitar o acesso”.

O ISP pode ser co-responsabilizado quando um tribunal ou uma entidade administrativa competente ordenou a remoção ou a impossibilidade de acesso “com exequibilidade imediata” e o prestador não o fizer, nomeadamente por “impossibilitar imediatamente o acesso”.

Os termos “prontamente” e “imediatamente” não são clarificados nesta lei, assim como num projecto de lei do Partido Socialista apresentado em Fevereiro para delimitar “as circunstâncias em que deve ser removido ou impossibilitado o acesso em ambiente digital a conteúdos protegidos, bem como os procedimentos e meios para alcançar tal resultado”.

O documento refere que cabe à Inspeção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), “a fiscalização, o controlo e a regulação” da lei.

Quando esta, “na sequência de denúncia, detectar um sítio ou serviço de Internet que disponibilize conteúdos protegidos pelo direito de autor e pelos direitos conexos, sem autorização dos titulares dos direitos, notifica o infractor para, no prazo máximo de 48 horas, cessar essa actividade e remover o serviço ou o conteúdo de Internet”. Se tal não acontecer, a IGAC insta em seguida os ISPs a “remover ou impossibilitar o acesso a determinado conteúdo”.

Mas isto não acontece “quando a aplicação do prazo de 48 horas reduza substancialmente a utilidade da determinação de remoção ou impedimento de acesso, designadamente em virtude de a disponibilização ocorrer em tempo real e por um período limitado”. É o caso da transmissão em directo de um evento desportivo.

No entanto, também nos pareceres à proposta nada é referido quanto ao tempo necessário para bloquear um evento em directo.

A IGAC refere que nestes eventos o bloqueio é temporário, acompanhando a duração do mesmo. Nestes casos de situações “flagrantes”, não há direito a processo de “contraditório” que ocorre no modelo das 48 horas, em que só após se informar e ouvir o potencial prevaricador é bloqueado o acesso aos seus conteúdos. Estas situações “recomendam regulamentação adequada por forma a precisar os estritos termos em que podem e devem ocorrer”.

Já o Conselho Superior do Ministério Público aponta o “detalhe operativo, de pormenor, que pode tornar mais limitada e complicada a sua aplicação prática”, considerando que “seria vantajosa uma abordagem mais genérica e abstracta, conferindo aos procedimentos mais abrangência e flexibilidade”.

Por fim, a Ordem dos Advogados (OA) é mais cáustica numa abordagem focada na “opulência fecunda legislativa” em que se está “a criar uma lei, na sequência de um decreto-lei, que precederá outras duas leis, que darão origem a ‘n’ portarias, e tudo sobre um mesmo tema, ou sobre temas que caberiam num único diploma”.

A OA questiona ainda porque deve a IGAC receber a denúncia, tomar a decisão sobre a mesma, instruir os processos de contra-ordenação e aplicar as coimas. “Ou seja, a IGAC é polícia, juiz e carrasco”.

Desporto quer bloqueios em directo
Em síntese, ninguém tomou posição sobre a duração nas leis quando se trata de eventos em directo pirateados online. Mas uma das comissões do Parlamento Europeu (PE) tentou fazer isso ao apresentar esta semana “recomendações à Comissão sobre os desafios enfrentados pelos organizadores de eventos desportivos no ambiente digital“.

O grupo de eurodeputados “considera que a luta contra a pirataria em linha de eventos desportivos transmitidos ‘em directo’ e cujo valor económico reside na radiodifusão ‘em directo’ é o principal desafio que os organizadores de eventos desportivos enfrentam”, havendo a “necessidade de uma aplicação efectiva dos direitos” e que esses procedimentos “devem ser tão céleres quanto possível e permitir a remoção imediata de conteúdos ilegais”.

Esta “remoção em tempo real deve ser o objectivo a perseguir”, que pode igualmente ser conseguida através do bloqueio no acesso aos conteúdos.

Considera-se que a directiva sobre o comércio electrónico “deve ser alterada ou devem ser introduzidas na legislação da União disposições específicas relativas aos direitos dos organizadores de eventos desportivos”, para clarificar que a expressão “agir com diligência (…) significa ‘imediatamente a partir da notificação da infracção pelos titulares dos direitos e, o mais tardar, até 30 minutos após o início do evento desportivo”.

Esta clarificação está presente no relatório aprovado a 13 de Abril na comissão de assuntos jurídicos do PE. O objectivo é que a Comissão Europeia proponha “medidas concretas especificamente adaptadas a eventos desportivos em directo, permitindo a remoção imediata ou a desactivação do acesso a conteúdos sem bloquear a transmissão legal em directo”.

Podem-se assim “combater as milhares e milhares de emissoras ilegais [que] recebem o sinal de diferentes eventos desportivos em toda a Europa e o transmitem ilegalmente”, referiu Adrián Vázquez Lázara, presidente da comissão. O também eurodeputado do Renew Europe Group recordou que, devido à pandemia, os clubes desportivos não estão a vender bilhetes para os seus eventos, pelo que “temos de proteger a única receita que lhes resta, que são os direitos de TV”.

Estes bloqueios já ocorrem no Reino Unido, “onde as transmissões desportivas podem ser retiradas em tempo real, com a devida aprovação do tribunal”, refere a TorrentFreak.

No entanto, a proposta do PE “não requer necessariamente supervisão judicial” e “abre a porta ao ‘overblocking‘, o que ocasionalmente também acontece no Reino Unido”.

“Este texto parece ter sido ditado por lobistas da indústria, ele ameaça direitos digitais fundamentais”, considera Patrick Breyer, eurodeputado do Partido Pirata.

“Uma demora de 30 minutos seria ainda mais curta do que o necessário para remover conteúdo terrorista”, diz Breyer. “E exigir que os ISPs bloqueiem o acesso é fácil de contornar mudando os servidores DNS”.

As novas regras aprovadas na terça-feira visam as emissoras ilegais profissionais e não os telespectadores ou quem realiza filmagens no próprio evento, “pois isso não infringe nenhum direito”.

O relatório será votado na sessão plenária do PE em Maio.

Fotos: Lawrie Cate, Ben Sutherland (CC)