A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) foi contundente na recusa ao projecto de Proposta de Lei (PL) de transposição da Directiva 2019/713, de 17 de Abril de 2019, relativa ao combate à fraude e à contrafacção de meios de pagamento que não em numerário.
Num parecer de 26 de Março, a CNPD considerou “inadmissível a alteração proposta” para mudar o artigo 17º da Lei do Cibercrime no que representa “uma manifesta degradação do nível de protecção dos cidadãos num domínio crítico da sua esfera privada, como é o das comunicações”.
O referido artigo visa a “apreensão de correio electrónico e registos de comunicações” quando, num acesso legítimo a um sistema informático, forem encontradas “mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”.
Essa apreensão de correspondência está prevista no Código de Processo Penal (CPP) mas apenas autorizada por um juiz. A proposta do PL, “ao divergir incontroversamente do regime previsto” no CPP, “introduz restrições adicionais e não fundamentadas aos direitos, liberdades e garantias à inviolabilidade das comunicações e, reflexamente, à proteção de dados pessoais”.
Assim, sem um “prévio controlo do Juiz de Instrução Criminal, ordenar ou validar a apreensão de comunicações eletrónicas ou de registos similares desprotege excessivamente as pessoas eventualmente suspeitas ou que tenham incidentalmente interagido com esses suspeitos”.
A CNPD cita ainda um recente acórdão do Tribunal de Justiça da UE (TJUE) que “afasta a possibilidade de uma entidade em tudo semelhante – nos poderes e na dependência hierárquica – ao Ministério Público português poder aceder aos dados de tráfego e de localização (…) sem prévia autorização de um Juiz ou entidade independente”.
Numa outra vertente, relativa à Lei da Retenção de Dados, a Comissão considera que “mal se compreende que, depois de o TJUE ter declarado inválida a Directiva que esta lei transpõe e quando está a ser julgada a sua própria constitucionalidade, a alteração legislativa tenha este teor, em vez de corrigir ou suprir as normas em crise”.
A CNPD devolve a proposta e aponta ao legislador que só lhe “resta proceder à revisão profunda e meticulosa do regime substantivo e processual da referida lei. Tal afirma-se como um imperativo resultante da jurisprudência constante do TJUE e condição essencial para superar a actual situação de fragilidade, para dizer o menos, em que a lei se encontra”.
[act.: [Presidente] enviou um outro diploma para o Tribunal Constitucional, para fiscalização preventiva de constitucionalidade, com o objetivo de clarificar matéria controvertida sobre correio eletrónico: Parecendo oportuno clarificar, antecipadamente, a conformidade constitucional do novo regime de acesso a informação eletrónica sensível, e a compreensível preocupação que pode suscitar em termos de investigação criminal, designadamente perante as dúvidas levantadas no parecer da Comissão Nacional da Proteção de Dados e as resultantes de jurisprudência nacional e europeia, o Presidente da República decidiu suscitar junto do Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade de disposição contida no diploma da Assembleia da República relativo ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento que não em numerário, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime, e outros atos legislativos, nos termos do requerimento em anexo.]