Porque tantos têm razão quando estão uns contra os outros? Falo do embate entre os media e as redes sociais, claro, apadrinhados pelos governos.

Os governos têm razão ao querer que as empresas de ambos os sectores paguem impostos. Após terem facilitado a disseminação online com a isenção de impostos, o uso generalizado no acesso à Internet fixa ou móvel já não serve de desculpa à Big Tech para continuar a fugir aos impostos.

Os governos não têm razão e são até cobardes quando não se impõem perante estas empresas, tal como fazem com os regulados media, por temerem retaliações – que acabam por sempre aparecer. Nos EUA, por exemplo, baniu-se das redes um trumpezito para deixar à solta milhares de supremacistas brancos. Na Austrália, demonstrou-se ser possível eliminar selectivamente notícias para rapidamente surgir alguém a dizer de forma categórica que sem as redes sociais aumentou a desinformação… Como se vários dias sem elas pudessem servir de prova ao que quer que seja.

Mas é melhor esperar sentado por quaisquer alterações de fundo. Como disse Erik Gordon, professor da Ross School of Business da Universidade do Michigan, “embora a administração Biden e o novo Congresso não sejam completamente ‘relaxados’ com as grandes empresas de tecnologia, eles provavelmente vão atrasar-se a instituir regulações às grandes empresas de tecnologia para para não alienar os seus maiores doadores”.

Este atraso será sintomático se se persistir sem uma decisão sobre a separação dos negócios nestas empresas. O que se tem feito é adequar as estratégias consoante os interesses em jogo e as pressões.

Na Austrália, quando em Agosto passado se tornou óbvia a oposição entre os dois lados, o ataque começou por visar os “snippets” do Google News porque, no acesso móvel, os dados das audiências eram transferidos para a empresa e não para os media.

Temendo uma distorção do mercado, a Australian Competition and Consumer Commission (ACCC) agiu e impôs-se numa questão de concorrência comercial. Agora, noutra deriva bélica, o governo do país foi mais longe e impediu a colocação de qualquer publicidade no Facebook, sem quaisquer bases ou demonstrações de que o retorno não existe. Em resumo, o próprio governo australiano aparece a violar as regras de mercado…

Pelo caminho do bloqueio dos conteúdos dos media australianos no Facebook, ficou a ameaça da Google de impedir o acesso no país ao seu motor de busca se tivesse de pagar pelos “snippets”, altura em que surgiu a Microsoft a recordar que tinha o Bing.

Ao querer repor um equilíbrio entre as partes, com a redistribuição dos ganhos da Google para os media, as autoridades evoluíram para outras vertentes num mercado sensível e assim repetiram os mesmos erros do que já tinha acontecido na Europa.

Em Espanha, ameaçada pela “snippet tax”, a Google News retirou-se do mercado e os pequenos meios de comunicação social foram quem mais sofreu, num mercado em que as grandes editoras se calaram pelo benefício inesperado.

Na Alemanha, algo semelhante foi tentado mas a maior editora jogou de imediato nos dois tabuleiros, ficando “inimigaliada” da Google.

Agora, cerca de cinco anos depois, com Google e Facebook a abocanhar ainda mais o mercado da publicidade online, eis que os media, amedrontados pela sua hipotética irrelevância, voltaram-se para o lobby junto dos governos.

Incapazes de jogar num tabuleiro que desconhecem, nem sequer conseguem perceber que sem notícias, as redes sociais vão partilhar o quê? Os rumores do fim da rua, do fim do mundo?

Como é que se justifica que os bons media, que apostaram em recursos e no bom jornalismo, triunfaram e enfrentam estas redes no seu terreno: desenvolvem tecnologia interna para melhor conhecer os seus utilizadores, criam software interno para mostrar aos anunciantes a sua relevância e os seus dados, afastando-se das métricas das redes sociais que exageram os seus números e os manipulam para vender publicidade a milhões de inexistentes “eyeballs”.

Algumas pessoas querem mais e estão dispostas a pagar por isso, como esses exemplos demonstram. E essas pessoas também sabem quem são os accionistas dos títulos que lhes interessam e compram. Uns escolhem os Murdochs desta vida, outros querem algo diferente. Oferta e procura e oferta.

Enfim, é aqui que as coisas se tornam interessantes, até em termos históricos.

Primeiro, pagar por links é distorcer o que se entende como Internet. Pode-se fazê-lo mas não será jamais a mesma coisa… E como seria isto feito em termos de comércio mundial? Um acesso no Bangladesh deve pagar o mesmo que outro na Suíça?  A OMC quer fazer recomendações neste assunto?

Segundo: governos a limitar o acesso a redes sociais pode ser censura mas o inverso não é. Apenas diz muito sobre a ideologia dessa rede. E há muitas outras mesmo ali ao lado, no ecrã…

O “show me the money” foi explicado antes: a desregulação deste mercado e uma conjuntura temporal, económica e social permitiu o estabelecimento das plataformas sociais e a alegada irrelevância dos media tradicionais, que estes aceitaram sem pestanejar porque as acusações vinham da concorrência e a verdade jornalística não permitia desmontá-las sem provas que dificilmente conseguiam obter.

De forma simples, do jornalismo “amarelo” à rádio, desta para a televisão e ainda desta para o multimédia online, qualquer evolução tecnológica foi catalogada como uma disrupção negativa quando, na realidade, o que se pretende é captar a atenção do leitor/ouvinte/espectador/utilizador.

É no triunfo desta disputa no tabuleiro da economia da atenção e lucros associados que estamos.

As redes sociais podem fazer o que bem entenderem, como bloquear conteúdos. Nada obriga um restaurante vegan a servir carne, apesar de milhares de pessoas passarem por ele. Ao contrário dos media, cujo caderno de encargos é mais vasto, nada nem ninguém deve obrigar uma rede social a albergar conteúdos que os seus donos não desejam ter. Mas pode-se obrigá-los a prestar algum serviço público (alertas de emergência, por exemplo)? Talvez, mas o governo australiano veio demonstrar que nem é preciso passar por entidades como o Facebook.

Da mesma forma, nada nem ninguém pode obrigar um meio de comunicação social a estar numa rede social onde não quer estar, assim como não a pode impedir de criar uma só com os seus conteúdos.

Se os utilizadores querem aceder aos títulos sem pagar pelo conteúdo, cabe a cada um decidir qual o nível de ignorância em que pretende ficar. Se um jornal apenas dá notícias dos ricos deste planeta, isso pode não interessar a um leitor e não será por o deixar de ler que fica pior informado mas, pelo contrário, ganha tempo para ler outros títulos.

Após o simplista olhar para a captação dos dólares e da atenção, uma nota sobre o interesse tripartido de plataformas tecnológicas, media e governos neste estado de coisas.

Os governos querem regular um mercado arenoso que lhes escapa das mãos mal o julgam ter agarrado. Trump abusou do Twitter até este achar que a saída da Casa Branca estava iminente para então encher Biden de carinhos.

As plataformas desejam estar próximas do poder para o influenciar. Doaram a Trump tal como o fizeram a Biden. Como incumbentes viciados, não querem a inovação que os fez nascer.

Os media odeiam a ingerência dessas plataformas junto dos gabinetes do poder. Se antes eram capazes de gerir as evoluções políticas mudando as direcções editoriais, agora percebem que têm de dividir o bolo da atenção com uns arrivistas. Que deselegância, serem postos à mesma mesa com quem pode fazer o mesmo que eles!

Nada como um personagem habituado aos três departamentos desta vida para sintetizar o filme que se poderá desenrolar. Quando Bezos comprou o Washington Post em 2013, explicou depois: “Certain institutions have a very important role in making sure there is light, and I think the Washington Post has a seat, an important seat to do that because we happen to be located here in the capital city of the United States of America.”

Por fim, quando é que esta conversa passará a ter mais interesse? Quando as plataformas comprarem empresas de media (a alteração à secção 230 pode alterar este status quo), quando estas comprarem empresas tecnológicas ou se adaptarem à evolução tecnológica, se alimentarem com dados do seu negócio e assim triunfar perante a actual concorrência.

(em actualização, claro)