Dificilmente voltaremos a ter uma vida normal como na pré-pandemia. O mais próximo que vamos conseguir só deverá ocorrer daqui a sete anos, a manterem-se os números de administração das vacinas contra o Covid-19.

Para uma população mundial de 7.700 milhões de pessoas, ainda só foram administradas 120 milhões de vacinas, segundo os números da Bloomberg, enquanto responsáveis científicos falam da necessidade de “ter 70 a 85% da população [vacinada] para as coisas regressarem ao normal”.

Actualmente, “mais de 8.500 milhões de doses da vacina foram contratadas por países por meio de mais de 100 acordos monitorizados pela Bloomberg” mas “apenas um terço dos países começou as suas campanhas de vacinação“.

Em paralelo, a pressão climática continua a fazer-se sentir a par da pandemia. Os efeitos a longo prazo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa foram analisados por investigadores do MIT que publicaram a 18 de Janeiro o estudo “The Covid-19 effect on the Paris agreement“, na revista Humanities and Social Sciences Communications.

O encerramentos de negócios e empresas, as restrições nas viagens, o trabalho remoto e o tele-ensino “causaram fortes reduções na actividade económica – e no consumo de combustível fóssil associado”, o que levou muitos países a registar “reduções significativas nas emissões de gases de efeito estufa em 2020“, permitindo avançar de forma mais positiva para alcançar as metas do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.

O que é o Acordo de Paris?
Este documento foi adoptado por quase 200 países em Dezembro de 2015 e entrou em vigor a 4 de Novembro do ano seguinte. Pretende limitar o aquecimento global a valores entre os 1,5 e 2 graus centígrados, com os países a diminuírem os gases de efeito estufa e atingir-se um mundo climático neutro em meados deste século.

Os seus avanços e as medidas tomadas devem ser comunicados de forma transparente, integrando um registo global que permitirá aferir os resultados e incentivar os países a posteriores “planos mais ambiciosos“, nomeadamente no aumento de cortes adicionais nas emissões de carbono até 2030.

Em Dezembro de 2016, “Portugal anunciou que cumpriria o objectivo da neutralidade carbónica até 2050. Foi a primeira nação do mundo a assumir este compromisso”.

Os investigadores do Joint Program on the Science and Policy of Global Change do MIT acreditam que a pandemia pode ter acelerado o caminho para essas metas globais, numa intenção que se deverá manter esta década mas “e depois”? “Depende” dos efeitos pandémicos nas actividades económicas e uso de energias.

As suas estimativas alertam para a importância do “efeito dos choques económicos sobre a disposição das nações em cumprir (ou aumentar) as suas actuais promessas de emissões [no Acordo] de Paris. O principal efeito da pandemia sobre a ameaça da mudança climática, portanto, não será o seu impacto no crescimento, mas a sua influência sobre os compromissos nacionais para a acção”.

Em Dezembro passado, a economista Jézabel Couppey-Soubeyran salientou como a inscrição da “sustentabilidade ambiental” pelo Banco Central Europeu (BCE) assinalava a integração da “política monetária na luta contra as alterações climáticas” e contra “a crise ecológica que ameaça as nossas sociedades e as nossas economias”.

O sumário do documento é claro: “a forte mobilização dos bancos centrais em face da crise sanitária contrasta com a sua atitude de esperar para ver em termos de mudanças climáticas e, de forma mais geral, da crise ambiental. No entanto, nesta questão, ficar parado é recuar. Ao permanecer cego para a pegada de carbono dos bancos que refinancia, as garantias que aceita e os títulos que adquire, o BCE atrasará o objectivo de neutralidade climática que a União Europeia se fixou no horizonte de 2050. Ele também comprometerá as suas próprias missões, porque se não se conseguir inverter a tendência actual, a crise climática causará, sem dúvida, uma instabilidade monetária, económica e financeira sem precedentes”.

A própria expressão de confinamento climático começa a generalizar-se. Na semana passada, a agência noticiosa Reuters intitulava uma notícia de “Confinamento pela natureza – Holandeses alertados para ficar em casa antes de chegar o nevão“.

O “confinamento ainda mais rígido” na Holanda devia-se às previsões de muita neve pesada e ventos fortes no passado domingo, que “accionaram o primeiro alerta meteorológico nacional em nove anos”.

O instituto meteorológico nacional emitiu um “código vermelho” para todo o país mas foi o governo que, no sábado, apelou aos cidadãos para ficarem em casa perante a possível chegada de ventos gelados até 90 km por hora.

Numa simbiose perigosa, um outro trabalho recente revelou como as mudanças climáticas estão a proporcionar o aparecimento de condições para coronavírus mais perigosos. Os investigadores europeus e dos EUA assume que os morcegos foram a origem zoonótica do SARS-CoV-1 e SARS-CoV-2 e que as alterações climáticas alteraram a sua distribuição global e podem ter sido “um importante factor” na disseminação dos dois vírus.

A “tempestade perfeita”
É perante este contexto científico e vontades ambiental, económica e política para cumprir o Acordo de Paris que os novos confinamentos se podem generalizar. “É apenas uma questão de tempo“, explica a revista The Spectator.

O processo pode ser acelerado pela re-adesão dos EUA ao acordo, mantendo condições que o próprio enviado dos EUA considera serem “inadequadas para reduzir a temperatura da Terra“. John Kerry reconheceu que “ainda há tempo para fazer mais no que diz respeito às mudanças climáticas”, quando “as metas até agora têm sido inadequadas”, referindo-se à limitação de 1,5 graus centígrados. Este objectivo é “apropriado, mas as actuais promessas dos países através do Acordo de Paris são insuficientes para o conseguir”.O cenário de confinamentos climáticos tem-se colocado por analistas que “vêem uma confluência de crises globais como uma oportunidade”. Esta “tempestade perfeita” irá ser aproveitada por quem considera que é pouco o que se pode fazer na legislação ambiental” e “deve sempre haver mais”.

Mariana Mazzucato, professora de economia inovadora da University of London, descrevia em Setembro passado como, à semelhança do que sucedeu com a Covid-19, “os governos introduziram confinamentos para evitar que uma emergência de saúde pública se descontrolasse. Num futuro próximo, o mundo pode precisar de recorrer novamente a confinamentos – desta vez para enfrentar uma emergência climática”, escreveu.

Neste tipo de confinamento, “os governos limitariam o uso de veículos particulares, proibiriam o consumo de carne vermelha e imporiam medidas extremas de poupança de energia, enquanto as empresas de combustíveis fósseis teriam de parar com a perfuração”.

“Precisamos de medidas para lidar com as mudanças climáticas que sejam semelhantes às restrições à liberdade pessoal [impostas] para combater a pandemia”, referiu Karl Lauterbach, parlamentar do partido social-democrata alemão (SPD), neste artigo (em alemão) em Dezembro passado.

A decisão poderá captar o apoio dos “alarmistas do clima como Greta Thunberg e John Kerry”, apesar das potenciais limitações às liberdades civis. Ela poderá ainda ter o apoio do segmento demográfico que está a terminar os estudos e a entrar com enormes dificuldades no mercado do trabalho.

O termo pode parecer exagerado mas no final de Janeiro, o diário Público intitulava como “a geração de Greta tem mais probabilidades de acreditar que a crise climática é uma emergência global” e “preocupa-se mais com o clima do que a dos seus pais e avós. Esta é uma das conclusões do maior inquérito de sempre sobre as alterações climáticas”, o “The Peoples’ Climate Vote“, sem entrevistados nacionais.

No nosso país, logo após o início da pandemia, os jovens entre os 16 e os 34 anos distinguiam-se por “tenderem a ter menos confiança na resposta das autoridades e em quase todas as fontes de informação”, ao mesmo tempo que “tendem também a defender medidas mais restritivas para lidar com a pandemia”, segundo o estudo “O Impacto Social da Pandemia“, de Abril de 2020, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais do ISCTE junto de algumas faixas da população.

Portugal é exemplo para legislação nos EUA?
Ao pesar estas vontades sociais, ambientais e económicas, a política facilmente tenderá a adoptar os novos confinamentos. Mas como é que o poderá fazer?

É “simples”, salienta a The Spectator: “declarando que a mudança climática é uma crise imediata de saúde pública e segurança nacional, e usando a mesma autoridade concedida pelos departamentos de saúde pública para os impor sob as mesmas directrizes que fizeram para a Covid-19”.

Foi exactamente isso que democratas como Bernie Sanders ou Alexandria Ocasio-Cortez fizeram na semana passada, repetindo o que tinham proposto em 2019, ao apresentar um projecto de lei para que se possa “declarar uma emergência nacional nas mudanças climáticas. Isso dará ao governo mais poder para enfrentar a ameaça existencial, incluindo alargar os recursos necessários para o fazer”.

Segundo este “Climate Emergency Act of 2021“, a “enorme abrangência e escala da acção necessária para estabilizar o clima exigirá níveis sem precedentes de consciêncialização pública, empenhamento e deliberação para desenvolver e implementar políticas eficazes, justas e equitativas para lidar com a crise climática”.

O documento lista ainda várias cidades dos EUA e governos “em todo o mundo, incluindo o Reino Unido, a República da Irlanda, Portugal e Canadá, [que] já declararam uma emergência climática”.

O que diz a ciência?
Os confinamentos, em resultado de pandemias ou por influência climática, têm sido analisados e nem sempre se conseguem uns resultados claros. Quando se interligam com os efeitos climáticos, a associação tende a ser ainda mais complicada, devido à enorme quantidade de variáveis envolvidas. Pelo que se entende quando se fala de “loucura” perante quem defende confinamentos mais prolongados para proteger o ambiente.

No ano passado, um trabalho foi taxativo ao declarar que o impacto dos confinamentos sanitários curtos ou mais demorados no clima é “insignificante“.

Assim, “mesmo que vivêssemos num mundo onde os impactos sociais e económicos do confinamento sejam aceitáveis, ainda precisamos de medidas muito mais sérias para fazer a diferença – precisamos de mudanças estruturais”.

Ao “investir 1,2% do PIB numa recuperação verde podia-se reduzir as emissões em 50% e reduzir também pela metade o aquecimento entre agora e 2050″, cumprindo as metas do Acordo de Paris.

A análise feita entre Fevereiro e Junho de 2020 alegar ter havido uma diminuição do aquecimento no curto prazo desde o início do ano mas essa tendência foi “compensada” por outras emissões, causando um aquecimento também de curto prazo. O efeito directo dinamizado pela pandemia “será insignificante” em 2030, mantendo as políticas nacionais actuais.

Em paralelo, também “o céu limpo do confinamento pandémico aqueceu o planeta” e a redução do tráfego e da actividade industrial foi tida como positiva.

O que um trabalho na Geophysical Research Letters veio mostrar é que esses céus facilitaram o aquecimento da Terra. “Houve um grande declínio nas emissões das indústrias mais poluentes, e isso teve efeitos imediatos e de curto prazo sobre as temperaturas”, disse Andrew Gettelman, do National Center for Atmospheric Research (NCAR). “A poluição arrefece o planeta, pelo que faz sentido que reduções na poluição aqueçam o planeta”. Quando uma menor quantidade de luz solar atinge a Terra, as temperaturas arrefecem.

Apesar disso, Gettelman não pretende passar a mensagem de que mais pouição possa ser melhor: “o ar limpo aquece um pouco o planeta, mas mata muito menos pessoas que a poluição do ar”, notou.

Oksana Tatasova, cientista da Organização Meteorológica Mundial (OMM), confirma: “os níveis de CO2 na atmosfera, assim como os níveis de outros gases importantes para o efeito de estufa, como o metano e o protóxido de azoto, estão a aumentar. Não vemos qualquer diminuição nessas concentrações. A curva sobe e continua a subir em 2019 e 2020 não é exceção. Continuam a aumentar”.

Em resumo, apesar de todas as vontades, os confinamentos climáticos não parecem ter qualquer efeito no clima.

Fotos: Seattle Municipal Archives (CC BY 2.0), Bakoko (CC BY-ND 2.0)