Enquanto os governos em todo o mundo se estão a concentrar correctamente em estratégias de vacinação para proteger as pessoas do Covid-19, desenvolveu-se um animado debate sobre o que a vacina trará para as liberdades civis – incluindo o direito de circular livremente na UE.
Nenhum país da UE decidiu ainda tornar a vacinação obrigatória. Mas políticos de toda a Europa sugeriram que apenas aqueles que foram vacinados deveriam ter acesso a serviços e locais restritos para conter a disseminação do coronavírus. O primeiro-ministro grego foi mais longe e pediu um certificado de vacina digital normalizado da UE para ser usado por indivíduos para viajar sem restrições entre os países da UE.
Exigir que uma pessoa seja vacinada antes de ir a locais públicos, como escolas ou bares, pode levar a uma sociedade de dois níveis. É provável que alguns grupos da sociedade tenham acesso mais lento à vacinação, devido às desigualdades existentes, falta de consciência, efeitos da corrupção ou favoritismo político. Nestas circunstâncias, os passaportes para vacinas exacerbarão a divisão entre aqueles que já gozam de uma posição favorecida na sociedade e aqueles que estão nas suas margens.
Se os governos adicionarem a liberdade de movimento à lista de liberdades disponíveis apenas para aqueles que recebem a vacinação, isso aumentará a divisão social dentro dos países. Mas há três outras razões pelas quais exigir um passaporte de vacina para viagens pela UE é uma má ideia.
Em primeiro lugar, pode criar uma divisão entre cidadãos de diferentes países da UE. Ou seja, cidadãos de países que vacinam mais lentamente acabarão com restrições à livre circulação em comparação com cidadãos de países que vacinam mais rapidamente. Também não está claro se um certificado de vacinação seria emitido apenas para vacinações que foram realizadas com uma vacina aprovada pela Agência Europeia do Medicamento.
Actualmente, as vacinas russas e chinesas não têm essa aprovação. E a Hungria, que afirma que a UE não alocou doses suficientes de outras vacinas, parece ter intenção de usá-las.
Criar uma divisão entre os países da UE cujos cidadãos podem viajar mais prejudicaria aquele que é provavelmente o benefício mais tangível da UE aos olhos do público. Mas também pode alimentar o eurocepticismo. Em 2017, vários governos da Europa Central e Oriental usaram o escândalo da carne de cavalo para atiçar o sentimento anti-UE. O seu argumento: a UE estava a tratar os seus cidadãos como de segunda classe, permitindo a venda de produtos de qualidade inferior, em comparação com os da Europa Ocidental. Podemos esperar que os políticos eurocépticos voltem a reclamar se parecer que a UE está a retirar a liberdade de movimento de certos países.
Em segundo, um passaporte de vacinação também pode ser contraproducente. Não há dados claros ainda sobre até que ponto as campanhas de vacinação serão eficazes para interromper ou reduzir a transmissão da doença. A Organização Mundial da Saúde advertiu que o uso de passaportes de vacina nesta fase para permitir viagens sem restrições pode colocar em risco a saúde pública, criando uma falsa sensação de segurança.
Em terceiro, existem inevitavelmente riscos para a privacidade dos viajantes se o certificado da vacina estiver em formato digital. Os governos não só terão que garantir que manterão os dados dos indivíduos em segurança, mas também que eles não serão partilhados ou usados indevidamente para outros fins. Se o certificado de vacinação for necessário para viagens entre países, isso significa que todos os 27 governos precisam de ter sistemas interoperáveis com sistemas de protecção de dados igualmente fortes. E o chefe de protecção de dados da UE já expressou cepticismo sobre a viabilidade disso.
Vai acontecer?
Alguns Comissários da UE parecem abertos à ideia. Os governos estão divididos. Alguns, como Malta e Portugal, cujas economias são orientadas para o turismo de forma semelhante à Grécia, parecem gostar da ideia. Certos países da UE, como a Polónia, já se estão a mexer para por si só colocar a ideia em prática. Mas outros, como França e Roménia, expressaram sérias inquietações.
O que deve a UE fazer?
A UE deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar que os passaportes de vacinação se tornem uma opção atractiva para os governos. É menos provável que os governos recorram a tais medidas se houver uma aceitação esmagadora da vacina pelo público e se houver alternativas viáveis para uma viagem segura. A Comissão podia:
1 – Oferecer-se para coordenar medidas em toda a UE para viagens seguras, tais como mais instalações de teste, e instar os governos a aceitarem a certificação de um teste negativo recente como suficiente para permitir a viagem.
2 – Incentivar os governos a usarem os fundos da UE para a recuperação da pandemia em programas de vacinação dirigidos a partes da população que, de outra forma, sejam mais difíceis de alcançar. Como aqueles que vivem em áreas rurais ou menos ricas, longe de hospitais e de clínicas. A UE também pode investir em mais campanhas educativas sobre os benefícios da vacina. Isso ajudaria a conter as campanhas de desinformação que tornam as pessoas relutantes em se vacinarem.
3 – Investir mais em investigação sobre o grau e a duração da imunidade e as taxas de redução da transmissão induzidas pela vacina.
* Texto e foto publicados pela Liberties. Reprodução sob licença (CC BY-NC 4.0).
Estranho sempre não ver os nomes dos autores do trabalho jornalístico aqui. E ter de ir ao link original consultar.
É intencional?
Nem sempre, como se comprova neste texto, por exemplo: https://tictank.pt/2021/02/25/quem-controla-os-dados-da-pandemia/