O editor de opinião do New York Times, James Bennet, renunciou no meio do ano após o jornal ter publicado um controverso artigo de opinião do senador norte-americano Tom Cotton que defendia o uso dos militares para conter os protestos.

O artigo gerou indignação entre o público e também entre os repórteres mais jovens do jornal. Muitos desses funcionários participaram de uma campanha nos media sociais dirigida à liderança do jornal, pedindo correcções factuais e uma nota do editor a explicar o que estava errado com o artigo.

Eventualmente, a revolta da equipa forçou a saída de Bennet.

O texto de Cotton foi publicado nas páginas de opinião – não nas páginas de notícias. Mas essa é uma distinção frequentemente perdida pelo público, cujas críticas durante o recente incidente foram muitas vezes dirigidas ao jornal como um todo, incluindo a sua cobertura jornalística. Tudo isso permite uma antiga questão: qual é a diferença entre as notícias e as opiniões numa organização de notícias?

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É um princípio do jornalismo americano que os repórteres que trabalham para as secções de notícias dos jornais permaneçam totalmente independentes das secções de opinião. Mas a divisão entre notícias e opinião não é tão clara para muitos leitores quanto os jornalistas acreditam.

E como os consumidores americanos de notícias se acostumaram com o ideal de objectividade das notícias, a ideia de que as opiniões entram no domínio das notícias leva os leitores a suspeitar que os jornalistas têm uma agenda política, o que prejudica a sua credibilidade e a das suas organizações de notícias.

Como as notícias e a opinião se distanciaram
Muito antes de os jornais se tornarem instituições para a recolha e distribuição de notícias, eles eram instrumentos de expressão pessoal de indivíduos – os seus proprietários. Pensava-se pouco se opinião e facto estavam ou não misturados.

Benjamin Franklin dirigiu o Pennsylvania Gazette de 1729 a 1748 como um veículo para as suas próprias ideias políticas e científicas e até mesmo simplesmente para as suas observações do dia-a-dia. O Gazette of the United States, publicado pela primeira vez em 1789, foi o jornal federalista mais proeminente do seu tempo e foi financiado em parte por Alexander Hamilton, cujas cartas e ensaios publicou anonimamente.

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No início do século XIX, os jornais costumavam ser abertamente partidários, já que muitos deles eram financiados por partidos políticos.

No decorrer desse século, porém, os jornais começaram a procurar um público popular. À medida que a sua circulação crescia, alguns começaram a enfatizar a sua independência das facções [políticas].

Juntamente com o surgimento de escolas de jornalismo e organizações de imprensa, essa independência consagrou “facto” e “verdade” como o que a académica Barbie Zelizer chama de “termos de Deus” do jornalismo no início do século XX.

Os donos dos jornais nunca quiseram abrir mão da sua influência na opinião pública, no entanto. À medida que as notícias se tornavam o principal produto do jornal, os editores estabeleceram páginas editoriais, onde podiam continuar a apoiar os seus políticos favoritos ou a defender causas favoritas.

Essas páginas são normalmente geridas por conselhos editoriais, que são equipas de escritores, muitas vezes com áreas específicas de especialização (economia ou política externa ou, em jornais menores, política estadual), que redigem ensaios editoriais. Eles são depois votados pelo conselho, que geralmente inclui o editor, e publicados geralmente sem atribuição de autoria, como as opiniões oficiais do jornal. Existem variações neste processo: frequentemente, o conselho editorial decide sobre os tópicos e a opinião do jornal antes desses redactores trabalharem nos seus rascunhos.

James Bennet, o editor de opinião do The New York Times que renunciou, reconheceu num artigo no site do jornal publicado em Janeiro de 2020, meses antes do texto de Cotton, que “o papel do conselho editorial pode ser confuso, principalmente para leitores que não não conheçam bem o The Times”.

Durante a maior parte do século XX, os jornais asseguraram aos seus leitores e jornalistas que havia um “muro” entre as notícias e as opiniões nas suas operações.

Os editores confiaram nessa ideia de separação para insistir que as suas reportagens eram justas e independentes e acreditavam que os leitores entendiam essa separação.

Esta é uma forma de operar particularmente americana. Os leitores de outros países esperam geralmente que os seus jornais tenham um ponto de vista que represente um determinado partido ou ideologia.

A criação da página de opinião (“op-ed”)
Uma forma que os jornais encontraram de permitir uma maior amplitude da opinião nas suas páginas foi a criação de uma página de opinião, que publica opiniões de indivíduos, e não do conselho editorial. Como relata o historiador de jornalismo Michael Socolow, o editor da página editorial do The New York Times em 1970, John Oakes, criou a primeira página de opinião porque sentiu que “um jornal cumpre com mais eficácia as suas responsabilidades sociais e cívicas desafiando a autoridade, agindo de forma independente e convidando à dissidência”.

“Op-ed” é a abreviatura de “opposite the editorial page” (oposto à página editorial), não “opinião e editorial” ou opiniões que são opostas às da página editorial. Literalmente, o termo vem do facto de estar localizado em frente – oposto – à página editorial no jornal impresso.

A página de opinião de um jornal impresso geralmente inclui os colunistas de opinião do jornal. Estes são funcionários do jornal que escrevem regularmente. O jornal também costuma publicar uma selecção de artigos de opinião de escritores externos. Jornais de todo o país imitaram o Times após a estreia da sua página de opinião.

Opiniões online, mudanças de normas e linhas difusas
Com a expansão das páginas de opinião online, o Times estava a publicar 120 artigos de opinião por semana na altura da renúncia de James Bennet.

Embora a mudança para o online permita que a página “op-ed” do The New York Times aumente amplamente a sua produção, também cria um problema: os artigos de opinião deixaram de parecer mais claramente serem diferentes das notícias.

Com muitos leitores acedendo a sites de notícias por links de media social, eles podem não prestar atenção às pistas subtis que marcam uma história publicada pela equipa de opinião.

Adicione-se a isso o facto de que mesmo os leitores que vão à página inicial de um jornal se deparam com artigos de notícias e de opinião exibidas graficamente ao mesmo nível, conotando o mesmo nível de importância. E os jornalistas partilham análises e opiniões no Twitter, confundindo ainda mais os leitores.

As secções de notícias do jornal também exibem cada vez mais notícias que contêm um nível de análise que os leitores casuais podem não ser capazes de distinguir do que o New York Times designa como opinião.

Em 1970, quando a página de opinião estreou no The New York Times, a circulação do jornal diário era equivalente a 98% dos lares americanos. Em 2010, esse número caiu para menos de 40% e continuou a cair desde então.

Mesmo se os leitores em 1970 pudessem diferenciar claramente entre notícias e opinião, eles provavelmente não teriam o mesmo nível de empenhamento crítico quando as notícias existem online e num volume quase incontrolável.

Se organizações noticiosas como o The New York Times continuarem a manter que uma secção de opinião robusta, separada das suas reportagens, serve para promover a conversação pública, então essas instituições precisam de fazer um melhor trabalho para explicar aos consumidores de notícias onde – ou se – existe o “muro” entre a notícia e a opinião.

* Artigo de Kevin M. Lerner publicado pela The Conversation (CC BY-ND 4.0). Foto: Bank Phrom/Unsplash. Vídeo retirado do artigo “How to Teach Kids the Difference Between Facts and Opinions“.