A Simulmatics foi recordada a propósito das recentes eleições presidenciais norte-americanas e também para antecipar manifestações. Ao contrário da desastrada operação de marketing da Cambridge Analytica, a Simulmatics foi uma discreta empresa de análise de dados fundada em Nova Iorque em plena Guerra Fria.
A história da empresa surgiu recentemente após a historiadora Jill Lepore publicar “If Then: How the Simulmatics Corporation Invented the Future“, um livro lançado em Setembro passado.
Ela foi entrevistada pela fundadora e presidente da Data & Society, danah boyd, e faz parte de um trabalho maior de que publicamos excertos. A transcrição total em inglês pode ser lida aqui.
“Fundada em 1959 por alguns dos principais cientistas sociais do país ‘os melhores e mais brilhantes, fatalmente brilhantes, Ícaros com asas de penas e cera, voando para o sol’ – a Simulmatics propôs-se prever e manipular o futuro através da simulação em computador do comportamento humano. Nos verões, com as suas esposas e filhos a reboque, os cientistas da empresa reuniam-se na praia em Long Island sob uma cúpula geodésica em forma de favo de mel, onde construíram uma “Máquina de Pessoas” que visava criar um modelo de tudo, desde a compra de uma máquina de lavar louça até à contra-insurgência e à contagem de votos. Implantando a sua “Máquina de Pessoas” em Nova Iorque, Washington, Cambridge e até no Saigão, os clientes da Simulmatics incluíram a campanha presidencial de John F. Kennedy, o The New York Times, o Departamento de Defesa e outros: a Simulmatics participou de tudo, desde corridas políticas à Guerra do Vietname à malfadada tentativa do governo de [Lyndon B.] Johnson para antecipar distúrbios raciais. Os cientistas da Simulmatics acreditavam ter inventado “a bomba atómica das ciências sociais”. Eles não previram que levaria décadas a detonar, como uma granada enterrada há muito tempo. Mas, nos primeiros anos do século XXI, aquela bomba explodiu, criando um mundo no qual as corporações recolhem dados e modelam comportamentos e enviam mensagens sobre as decisões mais comuns, deixando pessoas em todo o mundo, muito antes da pandemia global, esmagadas por sentimentos de impotência. Essa história tem um passado; ‘If Then’ é a sua narrativa preventiva.
Jill Lepore: “Ninguém ouviu falar da Simulmatics. É uma história extraordinariamente obscura na qual caí quando abri uma caixa de arquivo na Biblioteca do MIT e encontrei uma história que respondeu a muitas perguntas que eu nem sabia que tinha. E então senti-me realmente obrigada a escrever um livro.
A Simulmatics Corporation foi fundada em 1959 pelo seu presidente, um tipo chamado Ed Greenfield que era um publicitário incrivelmente carismático da Madison Avenue, um filantropo liberal dedicado, um defensor muito devoto das causas dos Direitos Civis, que tinha trabalhado nas campanhas do Partido Democrata durante os anos 1950. Também era muito inteligente. Ele sentia-se muito atraído pelos filhos de pessoas sobre as quais David Halverson escreveu como Best and the Brightest, de uma forma seca e irónica. Ele estava realmente interessado na pesquisa que estava a ser feita nas ciências do comportamento e no campo emergente da ciência da computação na década de 1950.
Ele era como o Danny Ocean do projecto. Reuniu essa incrível equipa de pessoas para conceber um simulador de eleições. Nós temos simuladores eleitorais agora (…) mas isso era uma coisa totalmente nova nos anos 1950 e quando você pensa sobre isso faz muito sentido. Se estivesse interessado em tentar criar um modelo preditivo para o comportamento humano na década de 1950, as eleições seriam provavelmente no que gostaria de trabalhar porque temos uma quantidade enorme de dados. Temos dados dos censos, temos análise da opinião pública e depois temos as eleições. Assim, a democracia gera os seus próprios dados eleitorais e as pessoas que trabalham nas ciências sociais quantitativas foram realmente atraídas para o estudo do comportamento eleitoral. A Simulmatics sentiu que esse modelo poderia ser usado para prever todos os tipos de comportamento, incluindo o comportamento do consumidor, mas especialmente opiniões e atitudes políticas.
A empresa foi fundada em 1959 e contratada pelo DNC [Democratic National Committee] e mais tarde pela campanha de John F. Kennedy para dar conselhos eleitorais sobre como derrotar Richard Nixon em 1960 e (…), após esse projecto, a Simulmatics trabalhou realmente em todos os domínios em que a análise preditiva é agora implementada de uma forma bastante comum e omnipresente, fornecendo consultoria de publicidade para empresas como a Colgate-Palmolive e a Ralston Purina e eles fizeram uma simulação da escolha do consumidor, aconselharam sobre media para as estações de televisão. Eles fizeram um grande projecto para a análise de dados do New York Times na noite da eleição. Conceberam depois uma série de projectos para o governo federal. Mas a empresa estava a sofrer em meados da década de 1960 simplesmente porque não havia bastantes dados para a maioria dos projectos que queriam fazer e os computadores não eram suficientemente rápidos para tornar isso economicamente viável, e embora tivessem a ideia de que poderiam usar tecnologia informática para prever o comportamento humano e vendê-lo como um produto comercial, isso era difícil de fazer.
Assim, a empresa recorreu a um novo tipo de trabalho em 1965 e abriu um escritório em Saigão e trabalhou para o Departamento de Defesa dos EUA recolhendo e analisando dados da opinião pública entre os camponeses do Vietname do Sul. Esse trabalho foi extraordinariamente controverso como se pode imaginar e levou de muitas maneiras ao declínio da empresa e à sua eventual falência na década de 1970. (…) A empresa fez a maioria das coisas mal mas, desde então, elas têm sido feitas de forma muito eficaz. E para mim, quando me deparei com a história, foi um pouco como descobrir uma mina terrestre não explodida, que foi enterrada há muito tempo e está agora a explodir, como se víssemos as implicações do que significa aceitar como proposta de negócio a previsão informática do comportamento humano como uma mercadoria que pode ser comprada e vendida. (…)
Em resumo, a empresa foi fundada em 1959, faliu em 1970, tentou quase tudo e a maioria falhou, mas também colocou em acção muito do que agora consideramos garantido e também muitos de nós consideram muito preocupante”.
* Texto original publicado na Data & Society (CC BY-NC-SA 3.0). Foto: kismihok (CC BY-SA 2.0)