O ex-presidente dos EUA, Barack Obama, considera actualmente os media – os tradicionais como as televisões e os jornais ou os media sociais – como sendo “a maior ameaça à democracia”.
À revista The Atlantic, Obama referiu que “a onda populista foi estimulada [pelo canal de televisão por cabo] Fox News e por outros meios de comunicação de direita”, com as empresas de media social “desinteressadas em explorar o seu impacto na democracia”.
Ele considera que as empresas de tecnologia não são “inteiramente responsáveis porque isto é anterior aos media sociais. Já lá estava. Mas a media social acelerou-o”.
O ex-presidente nota ainda que a forma como “essas empresas estão a insistir que são mais como uma operadora telefónica do que como a The Atlantic não é sustentável”. Isto porque essas empresas tecnológicas “estão a fazer escolhas editoriais, quer as tenham enterrado em algoritmos ou não. A Primeira Emenda não exige que as empresas privadas forneçam uma plataforma para qualquer visão existente”.
Mas com a actual confusão de visões alternativas apresentadas ao público, torna-se um problema: “Se não tivermos a capacidade de distinguir o que é verdadeiro do que é falso, então, por definição, o mercado de ideias não funciona. E, por definição, a nossa democracia não funciona. Estamos a entrar numa crise epistemológica”, de conhecimento, que “é a maior ameaça à nossa democracia”.
Antes, as três principais redes de televisão (ABC, CBS e NBC) e um conjunto de jornais “tiveram uma influência desproporcionada” mas isso não volta a acontecer. “Não se pode colocar o génio de volta na garrafa. Não se vai eliminar a Internet; não se vão eliminar as mil estações no ar com visualizações de nicho concebidas para todas as preferências políticas”.
Pelas redes sociais se perde mas também se ganha
Obama sabe do que fala quando analisa os media, nomeadamente as redes sociais. Ele foi o primeiro candidato eleitoral a usar os meios online a seu favor e da sua campanha e ganhou eleições devido a essa estratégia.
As autoras de “Obama and the Power of Social Media and Technology” recordam como “no início de 2007, Barack Obama era um senador pouco conhecido concorrendo à presidência contra a nomeada e conhecida democrata Hilary Clinton. Mas a 4 de Novembro de 2008, Obama fez história como o primeiro afro-americano a vencer a eleição contra o candidato republicano John McCain, tornando-se assim o 44º presidente dos Estados Unidos. Obama venceu por uma margem de quase 200 votos eleitorais e 8,5 milhões de votos populares. Muitos factores contribuíram para o seu sucesso, mas um dos principais foi a maneira como Obama e a sua equipa de campanha com sede em Chicago usaram a media social e a tecnologia como parte integrante da sua estratégia de campanha, não apenas para arrecadar dinheiro, mas também, mais importante, para desenvolver uma onda de voluntários capacitados que sentiram que podiam fazer a diferença”.
Numa análise publicada em Abril de 2019, o Pew Research Center notou como mais de metade da população adulta norte-americana eram então “utilizadores políticos online”. Do total dos utilizadores da Internet, 74% participaram ou obtiveram notícias online durante a primeira campanha – “isto representa 55% do total da população adulta e marca a primeira vez que o Pew Internet & American Life Project registou que mais de metade da população em idade de votar usou a Internet para se ligar ao processo político durante o ciclo eleitoral”.
Um outro artigo sintetiza o “papel da media digital nas campanhas de Barack Obama em 2008 e 2012 com foco em dois temas: comunicação política personalizada e a mercantilização dos media digitais como ferramentas”, analisando a “estratégia de financiamento da campanha, mobilização de eleitores no terreno, inovação em media social e análise de dados, e porque as organizações de Obama foram mais inovadoras do que as dos concorrentes”.
Ainda na campanha de 2008, Obama ficou registado como sendo “o primeiro candidato presidencial a usar o meio” digital, quando o Facebook já era a rede social dominante. Embora em 2007 não ultrapassasse os 20 milhões de utilizadores, no início de 2009 tinha quase 150 milhões.
Obama conseguiu 250 mil seguidores no Facebook, “em comparação com os insignificantes 3.200 acumulados por Clinton“. A sua equipa focada nos meios digitais rondava uma centena de pessoas.
Por outro lado, Obama “ouvia” os media digitais. Jason Goldman, o seu “chief digital officer”, geria uma equipa de 20 pessoas que recolhiam informação sobre os principais tópicos digitais, “ajudando a criar uma identidade social para o presidente”.
A estratégia mostrou-se eficaz por outra razão: “Obama conquistou quase 70% dos votos entre os jovens americanos com menos de 25 anos – a maior percentagem desde que as sondagens à boca das urnas começaram nos EUA em 1976”.
Esta apelativa sensação de modernidade, assente nas ferramentas online e numa “mensagem coesa e coerente”, cativou os seus apoiantes e deu-lhe a imagem de “um político moderno e fresco pronto para enfrentar os problemas do país de maneiras novas e inovadoras”, refere-se numa tese de 2014.
Obama aproveitou “ao máximo a Internet e as novas tecnologias dos media, revolucionando o marketing de campanha e abrindo novas maneiras para o americano médio se envolver com a política eleitoral”.
Exemplo disso foi o anúncio da re-eleição, a 4 de Abril de 2011, feito pela primeira vez através do YouTube, acompanhando a sua “hashtag” #Obama2012.
Há quem considere que se ele “não tivesse usado os media sociais para a eleição presidencial de 2012, Barack Obama teria perdido” para Mitt Romney.
Agora, com tudo o que foi aprendido, muito dificilmente se poderá voltar a “colocar o génio de volta à garrafa”. Aliás, Obama critica todo este panorama sem apresentar qualquer solução.
* Foto: Chris Coleman (CC BY-NC 2.0)