O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa enviou duas propostas de leis relacionadas com os direitos autorais de volta para o Parlamento. Faltava apenas a sua assinatura para se tornarem lei e incluir amplas provisões sobre o uso justo (“fair use”) que podem ter que ser revistas. A decisão prossegue a forte oposição dos detentores dos direitos, a pressão do governo dos EUA e críticas da UE.

A África do Sul estava prestes a implementar a nova lei de direitos autorais que traria algumas mudanças significativas, incluindo a abordagem ao uso justo. Faltava apenas a assinatura do presidente sul-africano mas essa assinatura vai ter de esperar. Há poucas semanas, o presidente Ramaphosa enviou o projecto de Emenda dos Direitos Autorais e o projecto de Emenda da Proteção dos Artistas executantes de volta ao Parlamento para uma nova revisão.

O Presidente citou a preocupação com as disposições de uso justo como uma das razões para essa reforma.

Controvérsia sobre o uso justo suscita preocupações globais
Estas disposições foram resultado de negociações e discussões iniciadas em 2017. Após dois anos, os legisladores estabeleceram um conjunto de regras de uso justo que foram amplamente copiadas da lei dos EUA. Na maioria dos casos, os detentores dos direitos autorais gostam de ver os países estrangeiros a adoptar a política dos EUA. No entanto, com o uso justo, é diferente.

De facto, várias organizações alertaram que a proposta podia prejudicar os titulares de direitos autorais legítimos.

A International Intellectual Property Alliance (IIPA), que representa a MPA, a RIAA e outros grupos da indústria do entretenimento, alarmou-se no que resultou numa revisão oficial pelo Representante Comercial dos EUA (USTR). Se a nova lei de direitos de autor da África do Sul fosse realmente considerada problemática, isso podia levar a sanções comerciais.

Embora a IIPA tenha assinalado várias questões, o aspecto do uso justo atraiu o maior interesse. No início deste ano, dezenas de partes interessadas entraram em contacto para apoiar ou opor-se às propostas da África do Sul.

Segundo a IIPA, as propostas de uso justo da África do Sul são perigosas, pois o país, diferentemente dos EUA, não pode contar com 150 anos de jurisprudência. Além disso, o grupo alerta que as novas disposições são ainda mais amplas que a variante dos EUA e chegam ao topo do sistema de “negociação justa” existente.

Ao mesmo tempo, dezenas de outras organizações manifestaram-se a favor da proposta de uso justo, pois oferece aos cidadãos sul-africanos as liberdades que merecem. Trata-se dos mesmos direitos que pessoas de outros países, incluindo os EUA, desfrutam há muito tempo.

As iminentes sanções dos EUA e as reclamações dos detentores de direitos autorais foram posteriormente apoiadas pela UE, que também partilhou as suas preocupações com as propostas de uso justo da África do Sul. Os planos, especialmente a ampla lista de excepções do uso justo, que protegem grupos incluindo investigadores e pessoas com deficiência, são vistos como problemáticos.

“Isto deve resultar num grau significativo de incerteza jurídica, com efeitos negativos na comunidade criativa sul-africana em geral, bem como em investimentos estrangeiros, incluindo os europeus”, escreveu a UE numa recente carta.

Ceder ao “bullying” económico?
Há algumas semanas, o Presidente Ramaphosa enviou as controversas disposições de uso justo para serem reformuladas.

Embora o governo não tenha mencionado pressão externa, os defensores das disposições de uso justo sugerem uma ligação.
Denise Rosemary Nicholson, bibliotecária das comunicações académicas da Universidade de Witwatersrand, pergunta-se se o presidente realmente tem preocupações constitucionais ou se está a responder principalmente ao USTR e ao “bullying económico” da UE.

“Talvez os conglomerados do USTR, UE e multibilionários, que são os principais beneficiários dos direitos autorais na África do Sul, especialmente dos sectores educativo e das bibliotecas, entendam isto como uma ‘vitória'”, observa Nicholson.

“É realmente um dia triste para o acesso à informação para a educação, pesquisa, inovação, IA, pessoas com deficiência, programas de digitalização e preservação da nossa herança cultural, autores e criadores, bibliotecas e arquivos, etc. Todos eles precisam de muitos recursos nas disposições do projecto de lei para funcionar num mundo digital no século XXI”, acrescenta.

Dada a controvérsia, é provável que as disposições de uso justo não regressem na sua forma actual quando forem novamente dadas a assinar ao presidente.

* Texto original publicado em Torrent Freak. Reproduzido sob licença CC BY-NC 3.0. Foto: Alan Levine (CC BY-SA 2.0).