[Senado aprova projeto de lei das fake news: O projeto de lei 2.630/2020, que busca combater a disseminação de informações falsas na internet, as chamadas fake news, foi aprovado no Senado nesta terça-feira (30/6). O projeto recebeu 44 votos a favor e 32 contra, com duas abstenções.

Perguntas e respostas sobre a Lei das Fake News aprovada no Senado]

O projecto de lei brasileiro de “fake news” ataca direitos cruciais na rede e está num caminho acelerado para se tornar lei. Uma nova versão deverá ser votada esta terça-feira, 30 de Junho, após o adiamento de uma primeira votação marcada para o passado 25 de Junho.

Ele não inclui medidas de bloqueio e de localização de dados, mas permanecem as regras de vigilância e identificação. Uma primeira análise ao documento foi feita pela Coalizão Direitos na Rede e, antes, pela Derechos Digitales. Várias críticas alertaram para a proposta.

Apesar das denúncias generalizadas sobre os seus efeitos na liberdade de expressão e privacidade, o Congresso brasileiro quer avançar na sua tentativa apressada de aprovar um projecto de lei sobre “fake news”.

Algumas das questões mais preocupantes em propostas anteriores já foram analisadas mas o documento divulgado esta semana é ainda pior. Ele cria entraves ao acesso de utilizadores a redes sociais e a aplicações da Internet, exige a construção de bases de dados massivos de identidades reais dos utilizadores e obriga as empresas a rastrear as comunicações privadas online.

Ele cria obrigações que desconsideram as principais características da Internet, como criptografia ponta-a-ponta e desenvolvimento de ferramentas descentralizadas, indo contra a inovação e podendo criminalizar a expressão online de opiniões políticas. Embora o projecto tenha surgido como uma tentativa de lidar com preocupações legítimas sobre a disseminação da desinformação online, ele abre as portas para medidas arbitrárias e desnecessárias, que atingem garantias estabelecidas de privacidade e liberdade de expressão.

A Electronic Frontier Foundation apela aos parlamentares brasileiros para que essa lei sobre as “fake news” não seja aprovada. As propostas em discussão incluem:
– as aplicações são obrigadas a manter a cadeia de comunicações encaminhadas
Os serviços de mensagens seriam obrigados a manter a cadeia de todas as comunicações encaminhadas, independentemente de a distribuição do conteúdo ter sido feita com intuito malicioso ou não. Essa é uma obrigação massiva de retenção de dados que afectaria milhões de utilizadores inocentes, em vez de apenas aqueles investigados por um acto ilegal. Embora o Brasil já tenha obrigações de reter os metadados de comunicações específicas, a regra proposta vai muito mais longe. A montagem de uma cadeia de comunicação pode revelar aspectos altamente sensíveis de indivíduos, grupos e das suas interacções – mesmo quando nenhum deles está realmente envolvido em actividades ilegítimas. Os dados acabarão sendo um mapa constantemente actualizado de ligações e relações entre quase todos os internautas brasileiros: e que estará pronta para ser usada de forma abusiva.

Além disso, essa obrigação desconsidera a maneira como as arquitecturas de comunicações mais descentralizadas funcionam.

Elas pressupõem que os fornecedores de aplicações possam sempre identificar e distinguir conteúdo encaminhado e não encaminhado, além de identificar a origem de uma mensagem encaminhada. Na prática, isso depende do desenho do serviço e do relacionamento entre aplicações e serviços. Quando os dois são independentes, é comum que o fornecedor de serviços não consiga diferenciar entre conteúdo encaminhado e não encaminhado e que a aplicação não armazene o histórico de encaminhamento, excepto no dispositivo do utilizador. Essa separação de arquitectura é tradicional nas comunicações da Internet, incluindo browsers, clientes FTP, email, XMPP, partilha de ficheiros, etc. A obrigação também impactaria negativamente as aplicações de código aberto, projectadas para permitir que os utilizadores finais não apenas possam entender, mas também modificar e adaptar o funcionamento das aplicações locais.

– obriga as aplicações a obter documento de identidade e telemóvel de todos os utilizadores
O projecto cria uma obrigação geral de monitorização da identidade dos utilizadores, obrigando as aplicações da Internet a exigir que todos os utilizadores forneçam uma prova de identidade, por meio de um documento nacional ou passaporte, e o número de telefone. Este requisito vai na direcção oposta aos princípios e salvaguardas estabelecidos na Lei Geral de Protecção de Dados, que ainda deve entrar em vigor. Uma vasta base de dados de documentos de identidade, mantido por agentes privados, não está alinhado a padrões de minimização de dados, limitação de finalidade e prevenção de riscos no tratamento e armazenamento de dados pessoais que a lei brasileira de protecção de dados representa.

As versões actuais do projecto de “fake news” nem sequer garantem o uso de pseudónimos para os utilizadores da Internet.

Como já foi dito, há inúmeras razões pelas quais as pessoas podem querer usar um nome diferente daquele que possuem nos seus documentos de identidade. Mulheres a evitarem a violência doméstica apesar do assédio dos seus antigos parceiros abusivos, activistas e líderes comunitários que enfrentam ameaças, jornalistas de investigação realizando pesquisas sensíveis em grupos online ou pessoas trans afirmando as suas identidades são apenas alguns exemplos da necessidade de pseudónimo na sociedade actual.

De acordo com o projecto de lei, as contas dos utilizadores ficariam vinculadas aos seus números de telemóvel, permitindo – e nalguns casos exigindo – que os fornecedores de serviços de telecomunicações e as empresas de Internet os rastreiem ainda mais de perto. Qualquer pessoa sem um número de telemóvel seria impedida de usar qualquer rede social – se os números dos utilizadores forem desactivados por qualquer motivo, as suas contas em redes sociais serão suspensas. Além dos danos à privacidade, a regra cria sérios obstáculos para falar, aprender e partilhar online.

– censura, localização de dados e bloqueio
As propostas restringem seriamente a expressão online de opiniões políticas e podem levar à perseguição política. O projecto define elevadas multas em caso de conteúdo patrocinado online que ridiculariza candidatos ou questiona a fiabilidade das eleições. Embora esta fiabilidade seja crucial para a democracia e a desinformação deva ser combatida, uma interpretação ampliada dessa regra colocaria em risco o trabalho vital de investigadores de segurança do voto electrónico, também fundamental à preservação dessa confiabilidade. Os investigadores de segurança já enfrentam uma grave perseguição na região. As novas previsões criminais vagas trazidas pelo projecto de lei tendem a silenciar discursos críticos legítimos e podem criminalizar acções rotineiras dos utilizadores sem a devida consideração de dolo.

A proposta retoma a ideia desastrosa de localização de dados. Uma das suas disposições forçaria as redes sociais a armazenar os dados do utilizador numa base de dados específica no Brasil. As regras de localização de dados como essa podem tornar os dados especialmente vulneráveis ​​a ameaças de segurança e de vigilância, além de imporem sérias barreiras à economia digital global e ao comércio electrónico.

Finalmente, como cereja no topo de uma série de disposições que desconsideram a natureza global da Internet, os fornecedores que não cumprirem as regras estarão sujeitos a uma pena de suspensão. Tais suspensões são injustificáveis ​​e desproporcionais, restringindo as comunicações de milhões de brasileiros e incentivando as aplicações a cumprirem as regras de forma exagerada, em detrimento da privacidade, segurança e liberdade de expressão.

A EFF uniu-se a muitas outras organizações em todo o mundo pedindo ao parlamento brasileiro que rejeite esta versão do projecto-lei e interrompa o modo acelerado que vem adoptando, nomeadamente através da campanha direccionada aos senadores brasileiros.

* Texto original publicado pela Electronic Frontier Foundation. Reproduzido sob licença CC BY 3.0 US. Imagem: Derechos Digitales (CC:BY (opensource.com) SA).