Dado que o presidente dos EUA, Donald Trump, parece usar o Twitter quase instintivamente, os seus recentes ataques à plataforma podem parecer contra-intuitivos.
Mas o seu conflito com o Twitter é outro exemplo das maneiras pelas quais o presidente rotineiramente distorce os princípios da Primeira Emenda, a fim de minar as liberdades que ele afirma estar a defender – assim como a democracia americana de uma maneira mais ampla.
A 26 de Maio passado, Trump tuitou que – ao contrário de todas as provas disponíveis – a votação por correio propicia uma enorme fraude dos eleitores. O Twitter colocou um aviso de validação de factos no tweet com links para artigos que demonstram a falsidade das alegações de Trump.
Na resposta, Trump atacou o Twitter, acusando-o de sufocar a “liberdade de expressão” e ameaçou tomar medidas para regular fortemente as plataformas sociais ou potencialmente fechá-las completamente.
A 28 de Maio, Trump assinou uma ordem executiva supostamente direccionada à prevenção da censura online, que propõe mudanças radicais nas protecções oferecidas às plataformas de media social sob a lei dos EUA.
Estes abusos devem ser reconhecidos e contestados. Trump está a fazer um esforço concertado para disseminar informações falsas sobre a integridade do processo eleitoral da América, com o objectivo de minar a confiança do público nos resultados das eleições e dificultar a votação dos americanos nas eleições de 2020. É um ataque directo à democracia americana.
As protecções da Primeira Emenda, normalmente referidas como direitos de “liberdade de expressão”, não se aplicam às restrições ao discurso impostas por actores não governamentais. Em resultado disso, o presidente não pode legitimamente alegar que as plataformas de media social estão a violar os seus direitos de liberdade de expressão – ou os de qualquer outra pessoa. Simplificando, não existe o direito da Primeira Emenda para usar os media sociais.
Além disso, o Supremo Tribunal reconhece expressamente que as empresas e outras entidades privadas têm os seus próprios direitos de liberdade de expressão, e que a Primeira Emenda proíbe o governo de interferir nos julgamentos editoriais de oradores particulares – incluindo entidades empresariais – em questões de interesse público. Por outras palavras, o governo não pode dizer a um orador particular o que incluir ou não incluir no discurso sobre determinadas questões.
Portanto, quando o presidente tenta interferir no conteúdo das plataformas de media social através da regulação governamental, ele põe em risco a liberdade de expressão, não a protege.
Mudar as regras
O principal objectivo da ordem é o Communications Decency Act (CDA), que estabeleceu uma abrangente imunidade para os intermediários digitais por responsabilidade civil resultante do conteúdos de utilizadores terceiros. Isso significa, por exemplo, que o Twitter não pode ser responsabilizado por comentários difamatórios feitos por terceiros na sua plataforma.
Se o CDA fosse revogado pelo Congresso, isso significaria que intermediários, como sites de media social, seriam tratados como os editores tradicionais de jornais, revistas e estações de televisão. Todas essas entidades podem ser responsabilizadas por publicar ou distribuir material obsceno ou difamatório escrito ou preparado por outras pessoas e todas são livres para publicar críticas ao presidente e verificar as suas reivindicações.
Não há nenhuma obrigação na Primeira Emenda de os editores serem neutros em assuntos de interesse público. De facto, isso seria contrário aos princípios da liberdade de expressão dos EUA. Além disso, o Supremo Tribunal clarificou que o governo não tem o direito de interferir no “mercado aberto” de ideias e não tem interesse em “igualar” a capacidade relativa de indivíduos e grupos para influenciar o resultado das eleições.
A American Civil Liberties Union adverte que a ordem representa uma ameaça directa às plataformas de que serão punidas se se envolverem em discursos que desagradam o presidente e aponta correctamente como o presidente está a ver ao contrário: “a Primeira Emenda protege-nos do governo, não o governo de nós”.
A directora do Program on Platform Regulation do Stanford’s Cyber Policy Center, Daphne Keller, descreve a ordem como “95% de teatro político – uma retórica sem fundamento legal e sem impacto legal”. A ordem deve ser chamada pelo que é – uma tentativa flagrante do presidente em litigar com e intimidar as plataformas, num esforço para manipular indevidamente o discurso público.
Parece que, de momento, o Twitter se recusa a ser intimidado pelo presidente. Em 29 de Maio, ocultou um dos tweets de Trump sobre os distúrbios em Minneapolis após o assassinato de George Floyd.
De acordo com as regras da empresa, os administradores anexaram um aviso de que o tweet “glorifica a violência”.
Qualquer pessoa que deseje visualizar o tweet pode fazê-lo, mas somente após clicar no aviso.
Liberdade de discurso? Ou regra autoritária
Os ataques de Trump às plataformas de media social e à imprensa revelam a sua verdadeira intenção – que não é proteger os direitos de liberdade de expressão dos americanos. Em vez disso, a sua estratégia parece ter como objectivo sufocar toda e qualquer expressão que se esforça para o responsabilizar e ao seu governo. O seu uso dos media sociais para atacar a imprensa como “má” e “inimiga do povo” – e para difamar qualquer um que o critique – são tentativas flagrantes de se isolar de qualquer forma da prestação de contas.
Esse comportamento é antidemocrático e mina os princípios fundamentais da Primeira Emenda, incluindo que a imprensa serve como uma restrição importante ao governo e que o discurso público deve permanecer livre e aberto para impedir que o governo controle a procura pela “verdade política“.
Trump quer ficar livre para mentir ao povo americano sobre questões vitais de interesse público, sem quaisquer restrições, incluindo a verificação de factos. Ao fazê-lo, está efectivamente a comportar-se como um autoritário, tentando controlar e manipular o discurso público sem críticas ou responsabilização.
Os esforços do presidente para minar a liberdade de expressão e desinformar o público americano representam uma séria ameaça à democracia americana que não deve ser perdida na cacofonia do discurso político contemporâneo nos EUA.
Enquanto os sinos de alarme tocam, todos devemos preocupar-nos que com tanto barulho, poucas pessoas os ouvirão.
* Texto original de Eliza Bechtold, da Durham University, publicado na The Conversation (CC BY-NC-ND 4.0). Fotos: Twitter.