O Twitter colocou um aviso em dois textos escritos pelo presidente Trump na rede social sobre o voto por correio, com links para informação que considerou mais correcta.

O presidente não gostou e emitiu uma ordem executiva para limitar as protecções legais das redes sociais perante a lei, nomeadamente ao abrigo da secção 230 do Communications Decency Act, lei que, de forma simples, isenta estes fornecedores de plataformas dos conteúdos nelas colocados pelos seu utilizadores (as “26 palavras que definiram a Internet desde 1996” têm uma versão de explicação para jornalistas disponível aqui).

A decisão presidencial – cuja versão prévia já está em circulação – visa “defender a liberdade de expressão” e entrega à Federal Communications Commission (FCC) a capacidade de analisar esta legislação de 1996. Em paralelo, o Procurador-geral William Barr foi instruído para impedir junto dos governadores dos estados qualquer incumprimento.

A “escalada do conflito” – aguardada pelo Twitter – levou Trump a falar em censura e a sua porta-voz Kellyanne Conway nomeou na Fox News o responsável no Twitter (com um passado anti-Trump) pela decisão, encorajando os espectadores a atacá-lo.

Conway parecia estar a cumprir a ordem de Trump quando afirmou “façam algo“. Mas a orientação teve outras consequências, dado que até os apoiantes da alteração desta lei se mostraram contrariados pela posição do presidente.

Depois, o Twitter disponibilizou um tuíte do presidente sobre os incidentes em Minneapolis, mas colocou um aviso de ser contra as suas regras considerando que “viola as regras” da rede social, “glorificando a violência“. O impacto sobre o que se pode seguir é ainda reduzido mas já há algumas respostas que podem ser dadas.

Q) Qual a importância da secção 230 do Communications Decency Act?
R) Esta legislação refere que “No provider or user of an interactive computer service shall be treated as the publisher or speaker of any information provided by another information content provider”. Desta forma, o autor é o responsável pelo que escreve, não a plataforma onde escreve, e é ele que pode ser processado pelo conteúdo. “Não há nada na Secção 230 que diga que um site Web como o Twitter não possa regular o conteúdo“. No entanto, as plataformas evitaram sempre fazê-los para não serem consideradas empresas de media, onde as suas obrigações seriam mais vastas e complicadas.
Na Europa, a situação é diferente e, em França, uma nova legislação obriga as plataformas a removerem qualquer conteúdo ilícito no espaço de 24 horas.

Q) A decisão de Trump é uma questão de republicanos versus democratas, antecipando o quadro eleitoral de Novembro?
R) Não: “Biden, que foi vice-presidente durante a administração amigável de Silicon Valley do presidente Barack Obama, criticou o Facebook e outros gigantes da tecnologia durante a sua campanha e propôs um imposto federal mínimo destinado a empresas como a Amazon (…), mas tanto [Trump] quanto Biden pararam de pedir que as empresas fossem divididas“.

Q) A decisão presidencial terá impacto no Facebook?
R) Se avançar noutras direcções, deverá ter impacto em todas as plataformas. A posição do Facebook perante esta situação foi colocar-se à parte.
A rede de Zuckerberg sempre alegou estar contra a desinformação mas, quando chega aos “posts” do presidente, nada faz e declara em público que o Facebook não está no “negócio da verificação de factos”.
Além da posição do Facebook ser, como noutros casos anteriores, dual, é verdade que “na realidade o Facebook não verifica nada. Em vez disso, usa empresas independentes para reverem as alegações feitas nas suas plataformas. Num programa lançado no final de 2016, a empresa tinha 55 parceiros certificados pela International Fact-Checking Network. O Facebook paga às empresas pela verificação de factos, embora algumas tenham recusado o dinheiro”.
Mais tarde, o Facebook considerou a ordem executiva como potenciadora de “restringir a expressão online“. A mesma posição foi tida por Trump mas a realidade desmente-o.

Q) Tenho que me preocupar?
R) Para já, não. A ordem executiva é “uma distracção” e “legalmente sem sentido”, porque “não se pode anular a lei com um ordem executiva, nem ela pode ignorar a Constituição. A ordem executiva tenta fazer as duas coisas”.

Q) Qual o impacto para Portugal?
R) Numa discussão no Facebook sobre o assunto, Eduardo Santos, da D3, optou por uma aproximação europeia a este tipo de questão: “o Digital Services Act [DSA] foi anunciado como prioridade para a UE e não há ninguém que já tenha falado dele (vá, há uma excepção) e da revisão da directiva e-commerce, que são nossos, vão agora falar da Section 230 americana… Quer dizer, vão porque é tema quente, mas como faltam todas as bases, vai dar barraca pela certa. Isto é a reforma do direito de autor all over again. Andámos anos a falar da coisa, na D3, incluindo implicações no princípio da ecommerce/section 230, mas era chato… Quando o Wuant (aquele “perito”…) fez um vídeo com 500 mil visualizações em dois dias acordaram repentinamente. Havia que falar de um assunto que fazia correr tinta lá fora há anos e não tinham [qualquer] base para o fazer, tiveram de recorrer ao “copy paste” acrítico dos comunicados da Comissão, que muito agradeceu. Mas bater no Wuant, uii, estavam todos prontos. O DSA e a Section 230 são em parte continuação do mesmo debate, sendo que os problemas são ainda mais complexos que os da reforma do copyright, pelo que até tenho medo do que se vai escrever sobre o tema…”